Cardeal Scherer afirma que nova Encíclica traz reflexão sem precedentes sobre a ecologia

A A
Arcebispo de São Paulo apresentou aos jornalistas o novo documento do Papa Francisco sobre o meio ambiente
Publicado em: 19/06/2015 - 17:30
Créditos: Redação

O arcebispo de São Paulo, Cardeal Odilo Pedro Scherer, afirmou que a publicação da Encíclica “Laudato si’ – sobre o cuidado da casa comum”, do Papa Francisco, reúne uma “reflexão sistemática sem precedentes do Magistério da Igreja sobre a ecologia”. A declaração foi feita durante a coletiva de imprensa realizada na manhã desta sexta-feira, 19, na Cúria Metropolitana, na região central da capital, na qual apresentou para os jornalistas o documento pontifício lançado em todo mundo na quinta-feira, 18.

Baixe a íntegra da Encíclica em português

Também participaram da conferência o teólogo Francisco Catão e o ex-ministro do Meio Ambiente e Amazônia Legal Rubens Ricupero, que também relataram suas primeiras impressões da Encíclica.

Dom Odilo iniciou explicando não é a primeira vez que o Magistério da Igreja se ocupa com questões ambientais. O próprio Papa Francisco ressalta isso no início do documento, citando seus predecessores, como João Paulo II e Bento XVI. “São João Paulo II abordou o tema em diversas ocasiões. Bento XVI abordou o tema principalmente na encíclica Cáritas in Veritate, de 2009, convidando a humanidade a um novo relacionamento com a natureza, tendo em conta o desígnio de Deus criador e a solidariedade social. Falou da urgente necessidade moral de uma nova solidariedade moral. Ensinou que a responsabilidade pelo cuidado do planeta é global que é preciso pensar em um governo responsável sobre a natureza para cuidar dela, faze-la frutificar para que possa acolher e alimentar a família humana”, recordou.  

O Arcebispo destacou que desde que o Papa Francisco, desde que foi eleito, deu sinais de sua preocupação ambiental. “Nem poderia ser diferente, dado a escolha de seu nome, pois também, é missão da Igreja e do magistério falar do sentido sobrenatural de toda a realidade e da dimensão moral e ética de toda atividade humana, portanto, também da sua relação com o ambiente”, disse, apresentando, em seguida, três chaves de leitura para a Encíclica:

1 - Fé cristã no Deus criador: “Estamos sendo levados por teorias sobre as origens do universo e da natureza a ‘crer’ cientificamente que o mundo surgiu por si mesmo, descartando a necessidade de um criador. A teoria da evolução  não é bem usada, muitas vezes, exatamente para isso. Ela, por si, não é incompatível com a fé cristã contanto que não exclua o Deus criador. Mas a exclusão absoluta do ato criador divino no princípio de tudo requer um ato de fé ainda maior na ciência do que na fé religiosa em um Deus criador”;

2 - Responsabilidade do homem sobre a natureza: “A Natureza está entregue aos cuidados do homem, é a casa comum da família humana, é o ‘jardim’ que acolhe, sustenta e alegra o homem com as demais criaturas.  Não podemos nos considerar donos absolutos do mundo e nos transformar, por isso, em predadores da natureza, usando um poder arbitrário em relação à natureza.  Dela devemos ser cultivadores, responsáveis, para que continue a ser pródiga de Deus para as criaturas que ela abriga. Estragar e depredar a natureza é pecado contra Deus e contra o próximo”;

3- Preocupação solidária da relação com a natureza: “A Natureza não é propriedade privada de ninguém em absoluto, mas um bem destinado a todas as criaturas de Deus. O uso individualista, egoísta e ganancioso da natureza é o contrário à justiça e à solidariedade social e, por isso, contrário à paz e ao bem comum”.

Ecologia integral

Para Rubens Ricupero, que no anos 1980, como embaixador do Brasil junto aos órgãos da Organização das Nações Unidas (ONU), participou da fundação Painel Inter-governamental de Mudança Climática, da ONU, em 1992, esteve nas reuniões de preparação da Eco 92, no Rio de Janeiro, e de 1993 a 1994, foi ministro do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, fez uma leitura da Encíclica a partir de sua experiência na área, com destaque para o conceito de "ecologia integral".

“O Papa afirma claramente que a atmosfera, o clima, a biodiversidade, são bens globais de uso comum, que em inglês chamamos de Global Commons. O documento não é a repetição do que tem sido feito, mas vai além do que tem é dito nos documentos das Nações Unidas, pois não defende consenso de governos”, ressaltou Ricupero.

Para o ex-ministro, a Encíclica mostra com clareza que o problema ambiental não tem uma essência técnica somente, mas que precisa ser visto na sua integralidade, nas interligações, e predomina o aspecto social não apenas no sentido da desigualdade, mas também no sentido de que a organização da economia é uma coisa que é feita pela sociedade. “O Papa mostra claramente que esse problema não tem solução se não houver uma ruptura da sociedade, no sentido de um sistema de produção, de consumo e de distribuição diferente do atual”.

Ricupero também frisou que, embora Francisco reconheça os valores das ideias do desenvolvimento sustentável, também diz explicitamente que somente isso não vai resolver o problema da predação dos recursos naturais.

Louvor à criação

Para o professor Francisco Catão, surpreendeu o caráter inovador da Encíclica quanto a forma de expor uma posição da Igreja, quanto ao seu conteúdo. O Teólogo ressaltou que essa é a Encíclica começa com um louvor, algo raro ou até inédito nesse tipo de documento. “As encíclicas são documentos que tradicionalmente começam com uma afirmação da doutrina ou resposta a uma situação social da Igreja ou do mundo”. Ele explicou, ainda, que o louvor é a considerado a “forma superior da prece”. Isso nos coloca numa perspectiva espiritual de valorização aquilo que dar sentido à vida. Pois, como diz o Catecismo da Igreja Católica, o louvor é aquela atitude que trata Deus como Deus, como Senhor de tudo”, afirmou.

Quanto ao conteúdo, o Professor destacou que este é um documento extremamente didático. “Como bom professor, o Papa não deixa aberta a interpretação”, disse. “No primeiro, capítulo ele expõe a questão ambiental, em seguida, apresenta o grande argumento de que nós, cristãos, assim como os judeus e os islâmicos veneramos um Deus criador. No terceiro capítulo, ele orienta uma solução, mostrado a importância do fato de encarar a ecologia do ponto de vista humano. Depois, no quarto capítulo, dá o argumento de fundamental tirado de Bento XVI em seu discurso no parlamento Alemão em setembro de 2011”, detalhou.

Ainda sobre a estrutura do texto, o Teólogo destacou que o Papa apresenta duas grandes consequências. “No capítulo quinto, é que essa questão [ambiental] que interessa a todos deve ser discutido por todos. E, depois, no capítulo sexto, fala de um reposicionamento dos cristãos ou de toda a humanidade em face do clima do ponto de vista educacional, com uma pedagogia de iniciação ao cuidado com a casa comum, e do ponto de vista da espiritualidade”, disse Catão, acrescentando que o Pontífice termina o documento mostrando que sua preocupação com a qualidade espiritual das pessoas.

Ecologia humana

O Cardeal Scherer chamou a atenção, ainda, para expressão ecologia humana, recuperada de pontífices anteriores por Francisco, quando escreve sobre o cuidado do ser humano não somente com a natureza, mas do cuidado do ser humano na sua natureza.  “Quando o Papa fala de Ecologia humana, ele traz uma nova chave de leitura para uma porção de questões morais que estão sendo propostas pela Igreja não simplesmente para os católicos, mas como sendo importantes para todo ser humano e, justamente, dizendo da importância em relação ao todo da natureza humana no meio ambiente. O Papa fala de questões sobre o aborto, fata também do respeito do corpo humano, até mesmo da questão de não reconhecer próprio sexo enquanto um dom de Deus. O Santo Padre apresenta um horizonte de interpretação de questões morais muito interessante que não parte simplesmente de afirmações dogmáticas, de fundo bíblico e religioso, mas de fundo natural, eu diria”.

Confira a reportagem completa sobre a nova Encíclica do Papa Francisco na próxima edição do jornal O SÃO PAULO, semanário arquidiocesano.

Leia também:

Mundo repercute nova Encíclica de Francisco

"Lamentos de nossa terra se unem aos dos pobres do mundo", afirma Cardeal Turkson

Dom Odilo Scherer - Louvado sejas, meu Senhor, por todas as tuas criaturas!