‘As instituições de Justiça estão se consolidando para além dos desejos governamentais’

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Em entrevista ao jornal O SÃO PAULO, cientista político Humberto Dantas apresenta alguns pontos a serem observados nas possíveis transições que o Brasil viverá
Publicado em: 13/05/2016 - 16:00
Créditos: Jornal O SÃO PAULO - Edição 3101

Por Edcarlos Bispo

Quais os rumos que, se consumado o impeachment, a política brasileira irá tomar? O que esperar de um eventual governo de Michel Temer? Essas são algumas das questões que estão na cabeça dos brasileiros, mas que serão respondidas com o tempo.

No entanto, Humberto Dantas, cientista social, doutor em Ciência Política e professor do Insper e da Fesp-SP, em entrevista ao O SÃO PAULO, apresenta alguns pontos a serem observados nas possíveis transições que o País viverá.

O SÃO PAULO – Quais as perspectivas dos 180 dias do governo Michel Temer?
Humberto Dantas – Difícil afirmar com clareza, mas certamente será um período com intensa movimentação do PT e da esquerda na oposição; com possível alívio do mercado, com posterior pressão por resultados breves. Temer terá que ser cirúrgico, e muito do que disse não será feito. A máquina vai continuar inchada, o impeachment custou caro demais em termos de negociação. Ademais, teremos Olimpíadas e eleições. Um período atribulado.

O senhor acredita em chances concretas de um possível retorno de Dilma Rousseff?
Acho improvável, mas na política nada é impossível. Porém, é pouco provável apostar numa volta de Dilma Rousseff. O processo está muito desenhado. O diálogo não é mais técnico, nunca foi. É extremamente político todo esse processo. Isso não é defeito ou qualidade, é característica.

Uma das muitas criticas ao governo Dilma é o alto número de ministérios. Ao que parece, com Temer não será diferente. Isso pode desagradar à população e à opinião pública?
Pode, mas certamente agradará aqueles que se venderam para sustentar Temer no poder. A articulação política arruinou o governo Dilma. Temer deve ter um pouco mais de tato: primeiro, porque viu o desastre ocorrer; segundo, porque participou dele; e terceiro, porque tem longa vivência no Legislativo e na presidência do partido que simboliza o que existe de mais governista no País.

Pelo que se apresenta, o governo Temer abarcará a oposição e possíveis ex-aliados do PT. Isso pode, de fato, controlar a crise política e econômica?
Num primeiro momento sim, mesmo porque o mercado está ávido por certas mudanças e caminhos. Dilma perdeu a capacidade de dialogar e formar maiorias para aprovar planos. O problema é que Temer terá que fazer um batalhão de alterações passar por uma porta muito estreita. Temos que ver o tempo que será dado a ele pela sociedade em geral. Eu acredito que a paciência não será muito longa.

Há muita conversa de bastidores sobre possíveis cortes em direitos sociais e trabalhistas. O senhor acredita que isso, de fato, irá acontecer?
Acredito em alguns ajustes em políticas sociais, mas cortes violentos em pleno ano eleitoral, numa eleição absolutamente chave para o PMDB, que é o pleito municipal, acho improvável. Ademais, as maiorias não serão tão facilmente controláveis. Vai ser um período de muita negociação e absoluta necessidade de demonstração de habilidade política. Política é a palavra de ordem. É ela quem vai dar o tom dos ajustes. E tenho sérias dúvidas se Temer terá habilidade, com o time que está formando, para controlar alguns pontos, sobretudo aqueles relacionados a certa efervescência social.

O Congresso – Câmara dos Deputados e Senado – será mais dócil a Temer do que foi a Dilma? Como ficarão as “pautas-bombas”?
Consideremos que Temer tinha a pauta das duas casas, da Câmara e do Senado, sob o controle de seu partido. Nesse caso, seria necessário entender as disputas internas do PMDB, mais do que tudo, além da habilidade para segurar os aliados. Mas tudo indicava que seria uma relação mais dócil... A questão é que Cunha [Eduardo Cunha, PMDB-RJ] foi afastado, o PP assume a presidência da Casa enquanto assistirmos ao desenrolar das medidas do STF contra o deputado do Rio de Janeiro. A partir daqui, devemos lembrar que o PP é a terceira maior bancada da Câmara, e que ganhou muitos deputados na janela de transferência constitucional entre fevereiro e março. E aqui há um problema: abre-se a rodada de negociação de novo. Por quê? Porque Maranhão [deputado Waldir Maranhão, PP-MA] é o dono da pauta da Câmara. O PP, por sinal, antes disso, criou conflito com Temer quando soube que teria um ministério da Saúde, mas com ministro indicado que inicialmente não havia agradado o Partido. A Saúde é uma pasta que gerou conflito entre PMDB e PP. Será que agora o PMDB poderá falar grosso com quem controla a pauta da Câmara? O preço do PP, tão negociado durante o impeachment, pode ter se valorizado demais.

Nesse período afastada, o que acontece com Dilma e seus ministros, em relação a salários e cargos?
Os ministros de Dilma ou são mantidos por Temer ou estão demitidos. Voltam pra suas funções no mercado ou no mundo público. Ministros são agentes de responsabilidade do chefe de governo, e o chefe de governo, mesmo que interinamente, é Michel Temer, confirmado o afastamento de Dilma para defesa. Assim, estão fora da Esplanada, se Temer desejar. Já Dilma pode continuar morando no Palácio da Alvorada durante o processo, mas de acordo com a Lei de 1950, seus vencimentos se reduzem pela metade [o Senado, porém, deliberou que a Presidente afastada receberá vencimentos integrais].  

Como presidente em exercício, Temer tem autonomia total para nomear e destituir ministros e demais cargos do executivo?
Sim. Ele está no comando do Governo. Se por ventura Dilma voltar, ela também poderá reorganizar tudo.

Há chances de que o governo Temer bloqueie e reduza as investigações da Lava Jato?
Essa é a grande questão, mas temos o sentimento de que as instituições de Justiça estão se consolidando para além dos desejos governamentais, dos partidos de plantão no Planalto. Isso é bom para o País, desde que obviamente tais instituições amadureçam e se consolidem sob o estrito rigor da lei. Sabemos que existem exageros, ineficiência e uma série de problemas nessas organizações, mas precisamos amadurecer a ideia de justiça no Brasil. Esperamos que seja esse o nosso destino, e, a partir disso, teremos a oportunidade de crescer pautado em instituições formais decentes. É aqui, se for dessa maneira, que teremos o maior ponto de interrogação do futuro próximo. Dilma e o PT, saindo dos holofotes, arrefecerão o ímpeto de justiça? Se sim, teremos sentimento de golpe. Mas se a justiça se mantiver ativa, com o PMDB sob os holofotes, não duvidemos um segundo sequer de probabilidade imensa de encontrarmos muitos problemas com os principais políticos logo. Temer, Calheiros, Jucá, e mesmo Cunha têm muito o que explicar ao País, e, sobretudo, à Justiça. Seus nomes estão envolvidos em processos e investigações. O desafio é entender se isso, de fato, vai prosperar.