Uma das primeiras iniciativas de Dom Paulo Evaristo Arns ao ser nomeado arcebispo de São Paulo foi instituir o “Encontro com o Pastor”, reflexão que ele fazia semanalmente, transmitida pela rádio 9 de Julho e publicada no jornal O SÃO PAULO. Selecionamos alguns destes textos para construir uma entrevista com Dom Paulo sobre temas como ecumenismo, laicato e juventude, que são pertinentes e, ainda hoje, desafios para a Igreja em todo o mundo.
Como o senhor vê a relação dos católicos com os membros das demais igrejas cristãs?
Todos os que creem no Cristo e aceitam a sua mensagem merecem de nossa parte o respeito mais profundo. Nenhuma palavra, nenhum gesto deve exprimir superioridade ou menosprezo para com aqueles que não pertencem à nossa Igreja. Somos irmãos e não queremos mais chamar-nos de “irmãos separados”. Unem-nos laços tão profundos e a obediência ao Seu Espírito. Esperamos que este Senhor Jesus e seu Espírito afastem todas as barreiras que nos separam, para darmos ao mundo o testemunho da unidade.
Podemos pensar em ações comuns entre as igrejas?
Em nossa luta em favor do homem todo, queremos estar unidos. A defesa dos direitos humanos e da dignidade da pessoa são postulados do Evangelho. Programas comuns, atitudes claras, espírito evangélico, devem orientar toda a ação em favor dos pobres, marginalizados e injustiçados. É próprio do Evangelho inquietar os homens e impedi-los de se acomodarem. Devemos crescer e levar a crescer até a medida da plenitude de Cristo. Estamos convencidos de que só assim conseguiremos ação efetiva em favor da humanidade.
(edição de 9 a 15 de junho de 1973)
E sobre o diálogo com os ateus ou membros de religiões não-cristãs?
O diálogo é sempre possível, mesmo porque se trata de pessoas que [muitas vezes] nutrem sinceras aspirações para com um certo absoluto e para com um valor mais pleno da vida humana. Ponto de encontro poderá ser a luta pela humanidade.
(edição de 19 a 25 de outubro de 1974)
Poderíamos dizer que hoje há uma urgência missionária?
Ou somos todos missionários, ou não somos cristãos, pois o Cristo se apresentou entre nós como o enviado do Pai, isto é, o missionário do Pai.
Ainda dentro da ação missionária da Igreja, como tem sido a presença na Amazônia?
A ação religiosa e espiritual [na Amazônia] intensificou-se consideravelmente a partir de 1962. Uma vez que a ação da Igreja foi tão bem iniciada e contou com êxitos tão palpáveis, porque não pensar num intercâmbio com São Paulo ou outra diocese do Brasil? Uma Igreja só pode considerar-se adulta quando os ministérios, em particular o episcopal e o sacerdotal, forem assumidos por pessoas do lugar. Para favorecer e apressar a constituição desta Igreja adulta e local, São Paulo poderia prestar auxílio relevante. [Isso porque] como cristãos, nós nos comprometemos a receber e a dar. Deus cobra seus dons, por meio do serviço aos homens. Primeiro, “o serviço aos nossos irmãos na fé”; depois, a todos indistintamente.
(edição de 21 a 27 de julho de 1973)
Para o senhor, a presença do leigo na Igreja e na sociedade pode ser mais expressiva?
Muitas vezes, nossos leigos se entretêm ou entretêm a outros discutindo sobre divisões no episcopado. Poucas vezes, no entanto, lembram-se da obrigação de preparar a unidade dentro do próprio mundo leigo. Se todos os milhares de leigos em São Paulo lutassem pela unidade da Igreja, seria esta, sem dúvida, uma força irresistível para a promoção do bem comum. As pressões legítimas se fariam com espontaneidade, em favor da constância, e assim, do bem da comunidade. No entanto, pouco faremos se não canalizarmos essa força imensa para dentro da própria vida da cidade. Quero lembrar aqui, sobretudo, a necessidade de uma pastoral vigorosa em favor da juventude e por meio da mesma juventude. Temos que encarecer, sempre de novo, a ação da família em favor das famílias e da grande família. Nunca poderemos falar razoavelmente de uma pastoral de São Paulo enquanto não nos preocuparmos todos com a evangelização do mundo do trabalho. E mesmo assim, o resultado será mínimo, se os leigos preparados e engajados nos meios de comunicação social não conseguirem despertar opinião pública favorável aos legítimos interesses do povo.
Organizar esses grupos numa Arquidiocese tão grande como São Paulo é uma tarefa muito difícil. Como o senhor vê isso possível?
Quando passamos pela cidade, verificamos os imensos espaços vazios, sem igreja e sem comunidades atuantes. No entanto, a cada dez ou 15 metros, descobrimos uma casa onde mora algum cidadão. É ele responsável por esse espaço e pelos homens que nele sofrem, esperam e se destinam ao amor fraterno. Confiamos na família e confiamos nas pequenas comunidades. Caso elas conheçam o Evangelho e procurem integrar-se na vida dos homens, terão a força interna necessária para uma irradiação e para um testemunho público irresistível. As próprias comunidades paroquiais devem tornar-se centros de animação para o indivíduo e para os grupos de vida, que os movimentos são chamados a formar e a incentivar.
Publicado no Jornal O SÃO PAULO em 30 de junho de 2016