‘Se a Paixão de Cristo acontecesse hoje, como nos posicionaríamos?’

A A
Refletiu o Cardeal Scherer com os fiéis na Ação Litúrgica da Paixão de Cristo, na Catedral da Sé, na tarde da Sexta-feira Santa
Publicado em: 29/03/2024 - 20:00
Créditos: Redação

Do alto da cruz, após ser condenado, injuriado e torturado, Cristo exclamou: “‘Tudo está consumado.’ E, inclinando a cabeça, entregou o espírito” (Jo 18,30). No evangelho segundo São João assim está relatado o exato momento da Morte de Jesus.

E pela Tradição da Igreja era às 15h quando isso aconteceu na sexta-feira anterior à Páscoa dos Judeus. Por isso, neste mesmo horário nesta Sexta-feira da Paixão, 29, em todas as Igrejas, os fiéis se reuniram para participar da Ação Litúrgica da Paixão do Senhor.

Na Catedral da Sé, a celebração começou em profundo silêncio. Em pé, todos acompanharam a entrada do Cardeal Odilo Pedro Scherer e dos concelebrantes até o presbitério. Em frente ao altar, completamente desnudado, eles se prostraram, ao mesmo tempo em que os fiéis se ajoelharam, para meditar, silenciosamente, o mistério da Paixão de Cristo.

“Ó Deus, pela Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, destruístes a morte, que o primeiro pecado transmitiu a todo o gênero humano. Concedei que nos tornemos semelhantes a vosso Filho, e assim como trouxemos pela natureza a imagem do homem terrestre, possamos manter pela graça a imagem do homem celeste”, rezou o Arcebispo rompendo o silêncio.

MEMÓRIA DA PAIXÃO E SUA ATUALIDADE

Após as leituras próprias desta celebração e a proclamação do Evangelho da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo João (Jo 18,1–19,42), o Arcebispo iniciou a homilia, destacando que este é o momento central da Sexta-feira Santa, em que ouvindo a Palavra de Deus, os fiéis fazem memória da Paixão, Morte e sepultura de Jesus.

O Arcebispo exortou os fiéis a pensarem com quais dos personagens do relato da Paixão mais se identificam, não como um fato passado ocorrido há cerca de 2 mil anos, mas atual, com cada cristão refletindo como a Paixão de Cristo se relaciona com a própria vida e com o testemunho da fé na Igreja e na sociedade.

“Se a Paixão de Jesus acontecesse hoje pelas nossas ruas, pelos nossos tribunais, em nossa sociedade, como é que reagiríamos?”, indagou aos fiéis, ponderando que atualmente, porém, é mais fácil anunciar o Cristo do que na época dos primeiros cristãos e já tendo a certeza do testemunho dos apóstolos, da fé dos mártires e tantos santos e pessoas simples e ilustres que creram firmemente na fé da Igreja.

3 EXEMPLOS PARA O SEGUIMENTO DE CRISTO

Ainda refletindo sobre o Evangelho do relato da Paixão, Dom Odilo destacou que três personagens – Simão Cirineu, José de Arimateia e Nicodemos – têm muito a ensinar em um mundo no qual as pessoas estão apenas preocupadas com a própria vida, são indiferentes à dor do próximo, espalham mentiras sobre os demais e no qual haja até quem seja capaz de criticar a Igreja por falar sobre amizade social na Campanha da Fraternidade deste ano.

Sobre Simão Cirineu, Dom Odilo destacou que ele não teve vergonha de carregar a cruz de Cristo, mesmo sabendo que este havia já sido condenado, injuriado, torturado e acusado como falso profeta.

“Com coragem, Simão Cirineu foi uma pessoa solidária com o sofrimento do próximo, foi sensível a Jesus que já não aguentava o peso da Cruz”, destacou Dom Odilo, lembrando que a “insensibilidade é um dos problemas mais sérios e que faz com que percamos em qualidade humana”. O Arcebispo ressaltou, ainda, que Cristo se ofereceu em sacrifício.  “Ele carregou sobre si o peso que deveria estar sobre nossas costas. Pelas suas feridas, nós fomos curados. Jesus é o bom samaritano da humanidade”.

Quanto a José de Arimateia e a Nicodemos, o Arcebispo comentou que estes também tiveram a coragem de testemunhar sua adesão a Cristo, para que pudesse ser sepultado dignamente.

“Tanto José de Arimateia quanto Nicodemos, embora ocupassem altos cargos, fossem já altamente reconhecidos, tiveram a coragem de se expor para dar digna sepultura a Jesus. Neste momento, eles se declararam discípulos de Jesus. Hoje, quantas vezes acontece de na hora H, as pessoas não querem se expor, se envolver, não se fazem defensoras da verdade, do que é justo, do que é digno e do que merece ser honrado”.

“Que coragem temos nós de sermos testemunhas da verdade? De defendermos alguém que é injustiçado? É mais fácil espalhar narrativas, fake news, ainda que não se saiba que seja verdade. Se a Paixão de Cristo acontecesse hoje, como nos posicionaríamos? Este é o questionamento que esta celebração nos sugere?”, enfatizou Dom Odilo.

ORAÇÃO UNIVERSAL

Após a homilia, foi realizado um dos momentos mais representativos desta celebração: a Oração Universal, recordando as intenções pelas quais Jesus entregou sua vida em favor da humanidade.

A assembleia reunida rezou pela Santa Igreja; pelo Papa; por todos os membros da Igreja; pelos catecúmenos; pela unidade dos cristãos; pelos judeus (aos quais o Senhor Deus falou em primeiro lugar); pelos que não creem no Cristo (a fim de que possam ingressar no caminho da salvação); pelos que não creem em Deus (para que possam chegar ao Deus verdadeiro); pelos governantes (para que Deus lhes dirija o espírito e o coração para a verdadeira paz e liberdade de todos) e por todos que sofrem, a fim de que Deus Pai “livre o mundo de todo erro, expulse as doenças e afugente a fome, abra as prisões e liberte os cativos, vele pela segurança dos viajantes, repatrie os exilados, dê a saúde aos doentes e a salvação aos que agonizam”.

ADORAÇÃO DA CRUZ

Na sequência, pelo corredor central da Catedral, houve a entrada da cruz, ainda encoberta com um tecido. No presbitério, ao declamar “Eis o lenho da cruz”, o Arcebispo lentamente a desnudou. Ele foi o primeiro a beijar os pés da cruz.

Depois, a adoração à cruz foi feita pela assembleia de fiéis. Por cerca de 22 minutos, em procissão, idosos, famílias inteiras, jovens e religiosos consagrados fizeram seu momento de adoração ao Cristo crucificado, ao som de antífonas e cânticos tradicionais da Sexta-feira Santa, como “Fiel madeiro da santa cruz, ó árvore sem rival!” e “Vitória,  tu  reinarás!  Ó  cruz,  tu  nos  salvarás!”.

Depois, a cruz foi levada ao altar e Dom Odilo lembrou que ela ali permanece sempre, pois a Eucaristia é a celebração do sacrifício de Cristo.

COLETA AOS LUGARES SANTOS

Durante esta ação litúrgica, também foi realizada a coleta para os lugares onde Jesus nasceu e viveu, e outros mencionados nas Sagradas Escrituras e que remetem às origens da fé cristã.

Nestes chamados “Lugares Santos”, atualmente os cristãos são minoria e a manutenção da presença da Igreja depende quase que inteiramente da solidariedade dos demais cristãos, por isto há o apelo que na Sexta-feira Santa haja este gesto generoso e solidário.

Posteriormente, foi estendida sobre o altar a toalha e o corporal, rezou-se a oração do Pai Nosso e teve sequência o rito da comunhão, pois ainda que não se celebre a Eucaristia neste dia, posto que todo o ato é dedicado ao memorial da Paixão e Morte de Jesus, é feita a comunhão eucarística, com as hóstias que foram consagradas na missa da noite anterior.

À ESPERA DA RESSURREIÇÃO

Antes proferir a oração sobre o povo, pela qual se concluiu a ação litúrgica, o Arcebispo exortou aos fiéis a se manterem firmes na fé. “Mesmo quando é difícil, não reneguemos a Cristo, que tenhamos a coragem de assumir a cruz se for preciso por causa Dele, como fizeram tantos. E que Ele nos ensine a ser generosos, solidários, sensíveis, em relação a tantas pessoas que continuam a carregar pesadas cruzes todos os dias. E quando a nossa cruz pesar, não nos desesperemos, porque cremos que Ele já carregou a nossa cruz, já lhe deu sentido. Pela cruz, Ele nos deu esperança, fez a vida triunfar. Temos a certeza de que a cruz não nos esmagará se nós a carregarmos junto com Ele”.

Dom Odilo também recordou aos fiéis que o Sábado Santo é dia de vigília, silêncio e de oração para que os cristãos possam bem se preparar para a Solene Vigília Pascal e para o Domingo da Páscoa da Ressurreição do Senhor.

Ainda na Sexta-feira Santa, após a ação litúrgica, houve a procissão pelas ruas próximas à Catedral da Sé, tendo a frente a cruz com o lençol e as imagens do Senhor Morto e de Nossa Senhora das Dores.

No retorno à Catedral, aconteceu a reflexão sobre o Sermão das 7 Palavras, conduzida pelo Frei Mário Luiz Tagliari, Reitor do Convento e Santuário São Francisco.

No Sábado Santo, 30, Dom Odilo presidirá a Solene Vigília Pascal às 19h na Catedral da Sé, celebração que também acontecerá em todas as paróquias da Arquidiocese de São Paulo