‘Para Deus não há inimigos, só filhos’

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Ao criar 17 cardeais, papa Francisco alerta para o risco da polarização e da inimizade, inclusive na Igreja
Publicado em: 23/11/2016 - 16:15
Créditos: Jornal O SÃO PAULO



O clássico ensinamento de Jesus “amem os vossos inimigos e façam bem àqueles que vos odeiam” foi a inspiração do Papa Francisco na homilia do consistório para criação de 17 cardeais, no sábado, 19. O consistório é uma reunião do Papa com os cardeais presentes em Roma. Na ocasião, declarou o Pontífice: “O inimigo é alguém que devo amar. No coração de Deus não há inimigos. Deus só tem filhos”. Disse, ainda, que “nós levantamos muros, construímos barreiras e classificamos as pessoas. Deus tem filhos, e não os quis para poder se livrar deles”.

A reflexão vem à tona em um momento em que, dentro e fora da Igreja, seja na política ou nas redes sociais, fortalecem-se ideias radicais, muitas expressadas com discursos agressivos e ofensas pessoais. Trata-se de algo que Francisco chamou de “vírus da polarização”, no sentido contrário ao que define como uma “cultura do encontro”.

“O vírus da polarização e da inimizade permeia os nossos modos de pensar, de sentir e de agir. Não somos imunes a isso e devemos estar atentos para que tal comportamento não ocupe o nosso coração”, afirmou. “Isso vai contra a riqueza e a universalidade da Igreja, algo que podemos tocar com as mãos no Colégio Cardinalício”, acrescentou, referindo-se à grande diversidade cultural e de nações entre os cardeais.

O Papa recordou aos cardeais que Jesus desceu do monte para encontrar os povos. Portanto, é preciso fazer o mesmo, “abrindo os olhos para ver as feridas de tantos irmãos e irmãs privados da sua dignidade, provados na dignidade”.

Todo cardeal tem um pé em Roma

No consistório, realizado na Basílica de São Pedro, o Papa concedeu aos novos eleitos os símbolos do cardinalato: um anel e o barrete vermelho (um chapéu quadrangular). Além disso, eles receberam o título de  uma igreja em Roma, ou seja, ficam simbolicamente vinculados a uma igreja na diocese do bispo de Roma, o papa.

Essa tradição vem do tempo em que os cardeais viviam todos em Roma. Ajudavam o papa a governar a Igreja a partir de Roma. Porém, mudanças históricas levaram à internacionalização da Igreja e sua difusão em todo o mundo, e o papa e a Santa Sé precisam de colaboradores também nas dioceses. Mesmo assim, manteve- se o vínculo dos cardeais com a “Cidade Eterna”, por meio das igrejas titulares.

Em seu terceiro consistório para a criação de cardeais, o Papa Francisco escolheu 16 bispos e um sacerdote. Eles vêm de 14 países (veja detalhes no box). Entre os escolhidos, 13 têm menos de 80 anos e por esse motivo podem votar num eventual conclave para eleger o novo papa. De qualquer forma, o título de cardeal é uma conexão direta com o sumo pontífice e um apreço pessoal do papa à pessoa nomeada.

O único brasileiro criado cardeal desta vez foi o arcebispo de Brasília (DF) e presidente da CNBB, Dom Sergio da Rocha. Em entrevista ao O SÃO PAULO, há duas semanas, ele disse que os cardeais deste ano jubilar são os “cardeais da misericórdia”. Para Dom Sergio, “a concepção de uma Igreja controladora da sociedade não se justifica teologicamente, nem é viável numa sociedade complexa e plural”. Ele defende “uma Igreja servidora, profética e misericordiosa”.

Alcançando as ‘periferias existenciais’

Em sua saudação no consistório, o arcebispo italiano Dom Mario Zenari, núncio apostólico na Síria, destacou que o Papa Francisco traz para perto de si cardeais de todos os continentes: “De regiões consideradas como o berço do Cristianismo, onde pela primeira vez os discípulos foram chamados cristãos, mas também das jovens de dinâmicas Igrejas; do Velho Continente e do Novo Mundo; sinal eloquente da universalidade da Igreja nas suas várias e belas expressões da única fé”, declarou.

Ele notou também que o Papa tem nomeado cardeais vindos de regiões esquecidas pelo mundo. “Alguns de nós viemos de lugares onde muitos, milhões, são ‘desafortunados’, adultos e crianças deixados mortos ou meio mortos nas estradas, nas vilas e nos bairros, por causa da brutal violência e de conflitos sangrentos, desumanos e indissolúveis”, disse Dom Zenari. “Algumas regiões do mundo se tornaram lugares de exercício das obras de misericórdia para tantos ‘bons samaritanos’”, completou.