Espiritualidade Pascal: “Conviver na terra com as realidades do alto”

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03/06/2014 - 00:00

A Ascensão do Jesus Cristo aos Céus, celebrada no último domingo, nos ajuda admiravelmente a viver uma espiritualidade pascal. As orações do Missal Romano para essa missa nos dão maior clareza de nossa vocação à glória dos Céus: a ascensão do Filho é já vitória daqueles que nele são filhos e filhos, é a nossa vitória, e nos faz exultar de alegria e fervorosa ação de graças, pois participamos, na esperança, da glória dele (Oração do Dia); pela comunhão de dons entre o céu e a terra, colocando pão e vinho sobre o altar e recebendo o Pão da vida e o Cálice da salvação, nos elevamos, pela graça de Deus, até a nossa pátria definitiva, o Paraíso (Sobre as Oferendas); enfim, a oração Depois da Comunhão, bendiz a Deus que, nos dá a graça de “conviver na terra com as realidades do céu”. Isto é possível porque somos cada um membros do Corpo de Cristo. Encontramos aqui a compreensão teológica segundo a qual a Cabeça e o Corpo, Cristo e a Igreja, estão de tal forma unidos que a glorificação da Cabeça é já, em esperança, a glorificação dos membros de seu Corpo.

A segunda leitura da Solenidade da Ascensão, Ef 1,17-23, fala justamente que Cristo, “Cabeça da Igreja, que é seu corpo” (vv. 22-23), passando pela realidade do mistério pascal de sua morte, sepultura e ressurreição, foi exaltado junto de Deus, “à sua direita nos céus” (v. 20). Essa leitura é um convite para tomarmos consciência da esperança à qual fomos chamados: a vida plena de comunhão com Deus, o Pai e o Filho e o Espírito Santo.

Cristo, pelo mistério de sua Encarnação, vindo à terra, assumiu a nossa carne; agora, pelo mistério de sua ressurreição e ascensão aos céus, a nossa natureza humana, entrou no Paraíso: “Em comunhão com toda a Igreja celebramos o dia santo em que o vosso Filho único elevou à glória da vossa direita a fragilidade de nossa carne” (Oração Eucarística I). Essa foi pregada por Santo Agostinho: “Assim como ele, Cristo, subiu sem se afastar de nós, também nós subimos com ele, embora não se tenha ainda realizado em nosso corpo que nos será prometido. [...] Cristo está no céu, mas também está conosco; e nós, permanecendo na terra, estamos também com ele. [...] Isso não quer dizer que a dignidade da cabeça se confunde com a do corpo, mas que a unidade do corpo não se separa da cabeça” (Liturgia das Horas, Ofício de Leituras, Sermão da Ascensão do Senhor).

Contudo, caminhamos ao encontro dessa “esperança”, mas não sozinhos, e sim unidos aos irmãos e irmãs, reconhecendo que somos todos membros do único corpo de Cristo, a Igreja. Caminhamos, pois Aquele que subiu aos Céus nos fez continuadores de sua missão; foi isso que ouvimos na primeira leitura (At 1,1-11) e no Evangelho (Mt 28,16-20). Vivemos o tempo da Igreja, o tempo da Missão, o tempo de dar testemunho de Jesus Cristo e de seu Reino: “O Espírito Santo descerá sobre vocês, e dele receberão força para serem as minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, e até os extremos da terra” (At 1,8), fazendo discípulos de Cristo “todos os povos” (Mt 28,19).

“Convivemos na terra com as realidades do alto”. Podemos dizer que vivemos com a cabeça na esperança da glória e com os dois pés pisando o chão da história, a nossa e a de nossos irmãos sofredores. “Cristo – continuou Santo Agostinho no mesmo sermão – já foi elevado ao mais alto dos céus; contudo, continua sofrendo na terra através das tribulações que nós experimentamos como seus membros. Deus testemunho desta verdade quando se fez ouvir lá do céu: Saulo, Saulo, por que me persegues (At 9,4)? E ainda: Eu estava com fome e me destes de comer (Mt 25,35)”.

 

+ Edmar Peron,Bispo Auxiliar da Arquidiocese de São Paulo
Vigário Episcopal para a Região Belém