A marca do Cristianismo foi impressa na história da humanidade

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25/11/2015 - 10:30

Publicado no Jornal O SÃO PAULO - Edição 3079 - De 25 de novembro a 1º de dezembro de 2015

“Os cristãos, de fato, não se distinguem dos outros homens, nem por sua terra, nem por língua ou costumes... Sua doutrina não foi inventada por eles, graças ao talento e especulação de homens curiosos, nem professam, como outros, algum ensinamento humano... Casam-se como todos e geram filhos, mas não abandonam os recém-nascidos” (Carta a Diogneto, nº 5).

O trecho apresentado acima faz parte de um texto conhecido como “Carta a Diogneto”, que data do início do cristianismo, escrito mais ou menos entre os séculos II e III.                                               O objetivo principal dessa carta era relatar como viviam os cristãos, fazendo ver que eles não se diferenciavam por costumes estranhos e perigos ao bem do estado ou das pessoas. Se hoje fosse necessário reescrever essa carta, certamente seria preciso reavaliar muito bem o que pensam ou como vivem alguns que dizem ser cristãos.

Numa sociedade marcada pelo individualismo, pela busca do prazer, e constantemente ameaçada pela ausência de valores, que faz crescer o relativismo, parece que a vida humana já não tem a mesma dignidade. Por isso questões como o aborto, a clonagem e as pesquisas com a vida humana ou mesmo a exploração da natureza, parecem coisas relativas, até mesmo “um preço” muito pequeno a se pagar, quando existe uma promessa de cura e de bem-estar, ou quando o direito dos que já nasceram se sobrepõe ao daqueles estão sendo gerados.

Isso nos leva a algumas perguntas. Uma sociedade que não respeita a vida, em todos os seus estágios e formas, pode ser chamada cristã? Os progressos que custam a vida inocente, são dignos de serem chamados progressos? Onde não há valores e critérios que respeitem a vida, quem nos garante que esses progressos serão realmente alcançados por todos?

O Papa Francisco recentemente disse: “Quando, na própria realidade, não se reconhece a importância dum pobre, dum embrião humano, duma pessoa com deficiência – só para dar alguns exemplos –, dificilmente se saberá escutar os gritos da própria natureza. Tudo está interligado.” (Laudato sí’, 117).

Quando o ser humano se proclama autônomo, em relação a qualquer realidade e se constitui único senhor que pode decidir sobre sua vontade, seu corpo e sobre tudo mais a sua volta, a existência humana está ameaçada. Quando a razão humana propõe substituir a Deus, ela cria um abismo que afasta o homem do sentido mais profundo de sua existência.

Jesus é o Filho de Deus que assumiu nossa condição humana, o mistério de sua encarnação indica o cuidado divido com a pessoa humana e também com toda a obra criada; “Pois sabemos que toda a criação geme e sofre como que dores de parto até o presente dia. Não só ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, gememos em nós mesmos, aguardando a adoção, a redenção do nosso corpo.” (Rm 8, 22-23).

Em Cristo, nós reencontramos o sentido original da vida humana, e assumir sua proposta como nossa, é assumir que “o pensamento cristão reivindica, para o ser humano, um valor peculiar acima das outras criaturas, suscita uma valorização de cada pessoa humana e, assim estimula o reconhecimento do outro. A abertura a um ‘tu’ capaz de conhecer, amar e dialogar continua a ser a grande nobreza da pessoa humana.” (Laudato sí, 119).

Assim, a “Carta a Diogneto” conserva sua atualidade. Se não nos diferenciamos dos outros pelo lugar onde moramos ou pela língua que falamos, temos que nos diferenciar por nossa espiritualidade cristã e pelo compromisso moral que ela gera, entre as pessoas e com o meio em que vivemos. A marca do cristianismo foi impressa na história da humanidade, pelo testemunho de homens e mulheres que se comprometeram com a Palavra de Jesus. Esse tempo que vivemos, espera a marca do nosso testemunho cristão.

Dom Devair Araújo da Fonseca

Bispo Auxiliar da Arquidiocese

Vigário Episcopal da Região Brasilândia