Da euforia ao entusiasmo da evangelização

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20/05/2015 - 14:15

Publicado no Jornal O SÃO PAULO - Edição 3052 - 20 a 26 de maio de 2015

Os domingos de Ramos, de Páscoa e da Ascensão são três momentos litúrgicos distintos, mas referentes ao único mistério: Jesus Cristo. Separados pelos dias, estão unidos pela única intenção de Deus em comunicar seu amor ao mundo.

Ao entrar em Jerusalém, Jesus manifesta que a sua missão está chegando ao fim. Jerusalém é mais que uma cidade, é um ponto de chegada, é onde ele testemunha sua adesão definitiva ao projeto de Deus. Com a alma conturbada, mas com passos de confiança, Jesus define sua oferta final como um ato de amor incondicional e aponta a cruz como porta de entrada na tenda que não foi feita por mãos humanas (Bento XVI - Jesus de Nazaré, p.14).

Se ao longo de seu ministério, ele proibia que os discípulos dessem testemunho a seu respeito (Mc 8,30), agora a situação é bem outra: “No primeiro dia dos Ázimos, quando matavam os cordeiros para a Páscoa, os discípulos perguntaram a Jesus: “Onde queres que façamos os preparativos para comeres a Páscoa?” Enviou, então, dois dos seus discípulos e disse-lhes: “Ide à cidade”. Um homem levando uma bilha d´água virá ao vosso encontro. Segui-o. Onde ele entrar, dizei ao dono da casa: ‘O Mestre pergunta: Onde está a minha sala, em que comerei a Páscoa com os meus discípulos’?” (Mc 14, 12-14).

A partir de agora, o que realmente interessa é o cumprimento da vontade do Pai. Comer a Páscoa com os discípulos, confirmando cada gesto, cada palavra, cada situação por ele vivida. Essa é a hora da passagem e a hora do amor (Bento XVI - Jesus de Nazaré, p.54).

Da parte dos discípulos, existe um misto de ousadia e covardia. Pedro é ousado para enfrentar os soldados que foram em busca de Jesus, mas não cumpre a promessa de segui-lo até o fim. A confiança dos discípulos é frustrada pela realidade da cruz. Sobre essa rejeição da cruz, diz o Papa Francisco: “Às vezes, sentimos a tentação de ser cristãos mantendo uma prudente distância das chagas do Senhor” (Evangelii Gaudium, 270).

Mas o projeto de Deus não pode ser vencido pelo desânimo. De madrugada, quando as mulheres vão ao túmulo, encontram o inesperado: o túmulo está vazio. O primeiro sentimento é de incompreensão. O que teria acontecido?

A resposta para essa pergunta vem da experiência com o Ressuscitado. Jesus está vivo e vem ao encontro dos seus discípulos. A sua presença tem a força para reconstituir a esperança e a confiança dos discípulos. O projeto de Deus não pode ser compreendido em meio à euforia, mas é antes uma realidade que precisa ser experimentada e vivida. Nesse projeto, a cruz não é um obstáculo e nem um desvio. A cruz é sinal da entrega definitiva. Mais uma vez, as palavras iluminadoras do Papa Francisco: “O triunfo cristão é sempre uma cruz, mas uma cruz que é simultaneamente estandarte de vitória, que se empunha com ternura batalhadora contra as investidas do mal” (Evangelii Gaudium, 85)

Jesus que caminha para Jerusalém se entrega e confia no amor do Pai. É esse amor que une e aproxima o domingo de Ramos, de Páscoa e da Ascensão. Jesus sobe a Jerusalém não para ser aclamado ou aplaudido, da mesma forma que sobe para o Pai não para afastar-se de nós.

A morte é vencida pela Ressurreição, a euforia é substituída pela alegria da vida e do cumprimento das promessas: “Vocês estão procurando Jesus de Nazaré, que foi crucificado? Ele ressuscitou! Não está aqui! Vejam o lugar onde o puseram. Agora vocês devem ir e dizer aos discípulos dele e a Pedro que ele vai para a Galileia na frente de vocês. Lá, vocês o verão, como ele mesmo disse” (Mc 16, 6-7).

A Ressurreição é o ponto decisivo. “Na Ressurreição de Jesus, foi alcançada uma nova possibilidade de ser homem, uma possibilidade que interessa a todos e abre um futuro, um novo gênero de futuro para os homens” (Bento XVI - Jesus de Nazaré, p.201). Essa é a verdadeira alegria do Evangelho, e que deve ser comunicada a todos.

Do alto da montanha, os discípulos são despertados para esta exigência: “Homens da Galileia, por que estais aí a olhar para o céu? Este Jesus, que foi arrebatado dentre vós para o céu, assim virá, do mesmo modo como o vistes partir para o céu” (At 1,11). O entusiasmo da evangelização se funda nessa convicção, dos discípulos de ontem e de hoje.


Dom Devair Araújo da Fonseca

Bispo Auxiliar da Arquidiocese

Vigário Episcopal da Região Brasilândia