PARÓQUIA, COMUNIDADE DISCÍPULA MISSIONÁRIA NA CIDADE DE SÃO PAULO

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17/08/2011 - 00:00

Na perspectiva do destaque pastoral “Paróquia: comunidade de comunidades”, em que se vê engajada toda a Arquidiocese de S. Paulo, no biênio 2011-2012, o primeiro questionário enviado e respondido (até o momento) por 53% das 297 paróquias da Arquidiocese paulistana, nos ajuda a vislumbrar desafios e possibilidades no nosso esforço de realizar a “conversão pastoral” preconizada pela Conferência de Aparecida (2007) e, assumida como compromisso pastoral pelo 10° Plano de Pastoral da Igreja de S. Paulo (p. 59-66).

O Mistério da Paróquia

Uma referência à qual acho importante referir-me, importante para o nosso discurso sobre a paróquia, nós a encontramos na Exortação Apostólica Christifidelis Laici (CL), do Bem-aventurado Papa João Paulo II (1988). Ele fala do “mistério” da Paróquia, que nos permite vislumbrar a sua verdadeira face, ou seja, enquanto “expressão mais imediata e visível da Igreja”, a sua “ultima localização”, a “Igreja que vive mais próxima das casas dos seus filhos e das suas filhas”.

Uma primeira afirmação que o Bem-aventurado Papa João Paulo II faz sobre a paróquia é reconhecer que “embora, por vezes, pobre em pessoas e em meios, e outras vezes dispersa em territórios vastíssimos ou quase desaparecida no meio de bairros modernos populosos e caóticos, a Paróquia não é principalmente uma estrutura, um território, um edifício, mas é sobretudo « a família de Deus, como uma fraternidade animada pelo espírito de unidade », é « uma casa de família, fraterna e acolhedora », é a « comunidade de fiéis ». Em definitivo, a Paróquia está fundada sobre uma realidade teológica, pois ela é uma comunidade eucarística. Isso significa que ela é uma comunidade idónea para celebrar a Eucaristia, na qual se situam a raiz viva do seu edificar-se e o vínculo sacramental do seu estar em plena comunhão com toda a Igreja”(n. 26).

Embora, todos os pontos elencados na CL, encontramos desenvolvidos na Carta Pastoral “Paróquia, torna-te o que tu és!” do nosso Arcebispo o Cardeal Dom Odilo Scherer, penso que não será repeti-lo chamar a atenção para os termos utilizados por João Paulo II quando se refere à paróquia: “fraternidade animada pelo espírito de unidade”, “casa de família, fraterna e acolhedora”, “comunidade de fiéis”.

O acento está na “unidade”, na “fraternidade, na “comunidade”; ou seja, nossa reflexão sobre a vida paroquial deve necessariamente partir desta premissa, ao contrário corremos o risco de nos equivocarmos. Assim, será importante nos interrogarmos quando da leitura do questionário: nossas paróquias, de fato, são estruturas que favorecem, criam, alimentam a vida da fraternidade? São nossas paróquias de fato comunidades? Há, da nossa parte, um vivo interesse em fazer de nossas paróquias, verdadeiras comunidades?

O Papa fala da paróquia como uma “comunidade eucarística”, enraizada na Eucaristia. A comunidade paroquial tem na Eucaristia a fonte e o cume de toda a sua vida. Para aí converge sua ação e daí brota todo o seu dinamismo. A Eucaristia é que revela a fisionomia da comunidade e, ao mesmo tempo traça o seu perfil. “A Eucaristia apresenta-se como fonte e simultaneamente vértice de toda a evangelização, porque o seu fim é a comunhão dos homens com Cristo e, nele, com o Pai e com o Espírito Santo” (Ecclesia De Eucaristia, n.22).

Prosseguindo sua reflexão sobre a paróquia, o Bem-aventurado João Paulo II lembra que “é deveras imenso o trabalho da Igreja nos nossos dias e, para realizá-lo, a Paróquia sozinha não pode bastar. Por isso, o Código de Direito Canónico prevê formas de colaboração entre paróquias no âmbito do território e recomenda ao Bispo o cuidado de todas as categorias de fiéis, até das que não são atingidas pelo cuidado pastoral ordinário”.

No esforço de fazer das paróquias verdadeiras comunidades, João Paulo II indica “adaptar as estruturas paroquiais à ampla flexibilidade” como prevê e possibilita o Direito Canônico, sobretudo possibilitando aos fiéis leigos participação nas responsabilidades pastorais, favorecer as pequenas comunidades eclesiais de base, também chamadas comunidades vivas, onde os fiéis possam comunicar entre si a Palavra de Deus e exprimir-se no serviço e no amor; estas comunidades são autênticas expressões da comunhão eclesial e centros de evangelização, em comunhão com os seus Pastores; promover formas institucionais de cooperação entre as diversas paróquias de um mesmo território (cf. Christifidelis Laici, n.26).

Em relação ao compromisso apostólico na paróquia o Documento fala da importância da participação dos leigos: « No seio das comunidades da Igreja - lemos no Decreto sobre o apostolado dos leigos - a sua ação é tão necessária que, sem ela, o próprio apostolado dos pastores não pode conseguir, na maior parte das vezes, todo o seu efeito » (AA 10).

Na perspectiva da “eclesiologia da comunhão”, João Paulo II reportando-se ao próprio Concílio, ressalta o papel dos Conselhos Paroquiais de Pastoral, como espaço onde a análise e a solução dos problemas pastorais pode se dar “com o contributo de todos”.

Enfim, merece da nossa parte uma atenção ao que o Bv. João Paulo II fala da paróquia enquanto solidária com os muitos homens e mulheres do nosso tempo: “A Paróquia, sendo a Igreja colocada no meio das casas dos homens, vive e atua profundamente integrada na sociedade humana e intimamente solidária com as suas aspirações e os seus dramas. Frequentemente, o contexto social, sobretudo em certos países e ambientes, é violentamente sacudido por forças de desagregação e de desumanização: o homem pode encontrar-se perdido e desorientado, mas no seu coração permanece o desejo, cada vez maior, de poder sentir e cultivar relações mais fraternas e humanas. A resposta a esse desejo pode ser dada pela Paróquia, quando esta, graças à participação viva dos fiéis leigos, se mantém coerente com a sua originária vocação e missão: ser no mundo « lugar » da comunhão dos crentes e, ao mesmo tempo, « sinal » e « instrumento » da vocação de todos para a comunhão; numa palavra, ser a casa que se abre para todos e que está ao serviço de todos, ou, como gostava de dizer o Papa João XXIII, o fontanário da aldeia a que todos acorrem na sua sede” (Christifidelis Laici, 27).

Mesmo na grande metrópole onde não apela mais à fonte localizada no centro das antigas cidades e aldeias, a paróquia ainda pode mitigar a sede de comunhão, de solidariedade, e de promoção humana dos que perambulam pelas nossas praças e avenidas em busca de novas formas de esperança!

Paróquia, comunidade DISCÍPULA MISSIONÁRIA

A partir dos dados elencados pelo questionário pastoral, dos desafios e possibilidades que eles nos revelam, penso que algumas perguntas nos interpelam: Como fazer de nossas paróquias: comunidade de comunidades, capazes de integrar suas forças e energias e oferecer respostas aos anseios e necessidades do nosso tempo? Como podemos utilizar as estruturas que construímos ao longo do tempo e da organização de nossas comunidades para levar avante o compromisso evangelizador? Quais caminhos percorrer para nos tornar na cidade a “fonte” capaz de saciar a sede de comunhão, participação, solidariedade e fé?

Creio que sem querer dar uma resposta completa às estas perguntas, o que o 10° Plano nos indica quando fala da “missão permanente e conversão pastoral” são de grande valor e de atualidade. O 10° Plano compendia muitos destes anseios e oferece algumas respostas que consideradas, dentro da proposta da Conferência de Aparecida, uma indicação segura para o ser e a ação de nossas paróquias:

Em primeiro lugar o 10° Plano chama a nossa atenção ao encontro pessoal com Cristo, fonte de missão e conversão pastoral. Citando o Papa Bento XVI no Discurso inaugural da V Conferência em Aparecida, o texto lembra “Quando o discípulo está enamorado de Cristo, não pode deixar de anunciar ao mundo que só ele nos salva (cf. At 4,12). Com efeito, o discípulo sabe que sem Cristo não há luz, não há esperança, não há amor, não há futuro”.

É importante relembrar que o discipulado nasce “do encontro com um acontecimento, uma pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva” (DCE 12).

Na realidade da metrópole que vivemos, não será bastante repetir que é em Cristo encontrado na Palavra, nos sacramentos, particularmente na Eucaristia que se alicerça toda a vida e se encontra o dinamismo da vida de uma comunidade paroquial. Como bem se expressa Dom Odilo: “a paróquia deve ser uma comunidade viva e vibrante de fé e alegria cristã, que atrai para Cristo e medeia de muitas maneiras, o encontro pessoal com Ele; ao mesmo tempo, o “espaço” onde se vive e cultiva a mística que decorre deste encontro com Cristo na liturgia, na caridade e no serviço aos irmãos e ao mundo, em nome da fé e como fruto da fé.” (p.18)

Daí a necessidade de nos interrogarmos até que ponto nossa catequese, nossas celebrações, os encontros e os serviços que realizamos e prestamos levam ao encontro com Cristo, e se tornam capazes de dar à vida das pessoas um novo horizonte e uma orientação decisiva?

O 10° Plano fala também do “compromisso com uma pastoral de conjunto, em comunhão e participação”, com o envolvimento de todos os sujeitos da pastoral. O texto fala que o princípio norteador da pastoral de conjunto é a espiritualidade da comunhão e participação; valorizando “atitudes pastorais de abertura, diálogo, disponibilidade, corresponsabilidade e participação de todos na vida da comunidade”.

Não podemos negar que, hoje, constitui grande desafio superar o individualismo, o isolamento, o fechamento em si próprio. Recuperar o comunitário, redescobrir a beleza do trabalho em conjunto, valorizar as muitas formas de comunhão entre nós talvez sejam os aspectos mais necessários à nossa ação e missão! Não podemos nos sujeitar a uma pastoral “virtual”, sem relacionamento, sem encontro, sem laços de comunhão e interesse pelo outro, sem escuta e diálogo sincero.

Seria um testemunho muito eloquente de comunhão entre nós, se víssemos das paróquias em melhores condições, não só financeiras, mas de envolvimento na ação pastoral, uma preocupação e ajuda efetiva às paróquias em condições mais precárias, necessitadas não só de recursos financeiros, mas de ajuda pastoral, num projeto de “paróquias-irmãs”, onde se estabelece intercâmbio de dons, de colaboração pessoal, de apoio logístico e sustentação financeira. Com certeza poder-se-ia exclamar: “Vede como eles se amam!” e a comunhão e participação, entre nós, não seria apenas um princípio, mas uma realidade palpável e concreta!

Um outro dado é o da “renovação das estruturas eclesiais, a serviço da missão”, ou seja, a “decisão missionária” que deve impregnar e impulsionar as paróquias, comunidades, movimentos, associações, pastorais, enfim, toda a vida da Arquidiocese.

O texto afirma que “cada comunidade deverá descobrir como ser mais missionária no lugar onde está situada”. Na Carta Pastoral, Dom Odilo nos fala de uma nova “cultura pastoral” onde a preocupação missionaria esteja sempre presente, levando-nos a pensar não “apenas na satisfação das próprias buscas espirituais e religiosas, mas também na partilha dos bens da fé e da vida eclesial com aqueles que já participam da vida da Igreja, ou com aqueles que fazem parte dela mas ficaram distantes ou se afastaram dela” (p.25).

São interessantes as perguntas elencadas por Dom Odilo: “Onde estão os outros, que não aparecem, nem participam?” - deve ser nossa preocupação constante. O que podemos fazer por eles, para que retornem à Igreja? E o que podemos fazer por aqueles que nunca foram alcançados ou envolvidos pelo anuncio do Evangelho?”

O 10° Plano se propõe como “resposta missionária aos apelos de Deus no cotidiano”, momento oportuno para que todas as paróquias da Arquidiocese se tornem missionárias, atentas “à linguagem, às estruturas e práticas pastorais e aos horários” (cf. DAp 518a). Não esconde, porém, que o desafio é passar “de uma pastoral de manutenção para uma pastoral missionária”. Neste aspecto, o texto indica como paradigma as “primeiras comunidades que evangelizaram de acordo com as culturas e circunstâncias.”

Entre as muitas iniciativas que haja para tornar o anuncio do Evangelho acessível aos que no cerca, o 10° Plano chama a nossa atenção à necessidade de utilizar as novas tecnologias e linguagens. “Os meios de comunicação, como a internet podem oferecer magníficas oportunidade de evangelização, embora não substituam as relações pessoais e nem a vida comunitária”.

O texto indica a “inclusão digital” nas paróquias, comunidades, centros culturais e instituições educacionais católicas, desenvolver iniciativas e aproveitar revistas, jornais, sites, portais e serviços on-line de conteúdos informativos e formativos, além de oferecer orientações religiosas e sociais diversas, cursos de teologia e cultura bíblica a distância.

Na sua Mensagem para o 45° Dia Mundial das Comunicações Sociais, cujo tema é “Verdade, anúncio e autenticidade de vida, na era digital”, o Papa Bento XVI diz: “A verdade do Evangelho não é algo que possa ser objeto de consumo ou de fruição superficial, mas dom que requer uma resposta livre. Mesmo se proclamada no espaço virtual da rede, aquela sempre exige ser encarnada no mundo real e dirigida aos rostos concretos dos irmãos e irmãs com quem partilhamos a vida diária. Por isso permanecem fundamentais as relações humanas diretas na transmissão da fé!”

Enfim, o 10° Plano conclui este capítulo falando do compromisso com o saneamento básico e a preservação da natureza. À dimensão teológica e antropológica da fé, acrescenta agora a dimensão ecológica quando destaca o meio ambiente como espaço precioso da convivência humana, cujo cuidado está sob nossa responsabilidade.

Neste aspecto ressalta-se a preocupação com “a defesa dos recursos naturais, muitas vezes submetidos aos interesses de grupos econômicos que arrasam irracionalmente as fontes de vida (cf. DAp 471). O pouco verde em muitas áreas da cidade e a degradação ambiental decorrente da falta de tratamento dos esgotos comprometem a vida do povo.”

Na “aldeia global” a preocupação com o meio ambiente ocupa cada vez mais importância e a atenção das pessoas. Questões como o traçado norte do Rodoanel que deverá invadir bairros inteiros de diversas regiões da cidade e da nossa Arquidiocese, com forte impacto ambiental, social e pastoral; a utilização da água, o cuidado e o tratamento do lixo, a necessidade de saneamento básico e a educação do cuidado com o meio ambiente deverão estar em pauta das nossas discussões e praticas pastorais, se não queremos ser no futuro acusados de omissão e, sermos corresponsáveis na devastação ambiental do planeta, precisamente da cidade de S. Paulo.

            “Paróquia, torna-te o que és!” O que são de fato nossas paróquias? As respostas podem ser muitas, variadas. Na grande cidade, cada paróquia tem um perfil que a distingue, tem características que a tornam peculiar, tem necessidades e desafios que assumem contornos específicos e exigem respostas diferentes. Não é possível uniformizar!

            Mas, há algo que não pode faltar! E isso o 10° Plano indica, não nos permitindo cansar de relembrar! Nas mais diversas realidades não podemos negligenciar nossa vocação de ser comunidade em missão, que tem como horizonte os valores do Evangelho e o compromisso de ajudar os homens e mulheres do nosso tempo a viver “em comunhão” com Deus e com os irmãos!

Dom Milton Kenan Júnior