UMA ESPIRITUALIDADE ECOLÓGICA

A A
06/04/2011 - 00:00

O tema da CF-2011 “Fraternidade e Vida no Planeta” nos permite refletir sobre a Espiritualidade com uma feição ecológica. De início a gente poderia se perguntar: “mas será possível falar numa espiritualidade ecológica?” “Que sentido tem a espiritualidade para a vida do planeta?”.

 

Não deveria nos estranhar o alcance ecológico da espiritualidade; afinal, já na primeira página da Bíblia vemos quanta afinidade há entre o Espírito e a Criação (cf. Gn 1,2). Falar da Criação, da Vida no Planeta exige que pensemos na ação do Espírito, a quem o Símbolo Niceno-Constantinopolitano professa como “Senhor que dá a vida”.

 

Quando descreve a ação do Espírito, a Palavra de Deus, não só fala da sua ação nos profetas e na vida dos cristãos, mas, fala da sua ação pelo universo. O livro dos Provérbios referindo-se à Sabedoria, a compara primeiramente ao mestre de obra que acompanha o trabalho da Criação; e depois a uma menina pequena que brinca no jardim, entre as flores e plantas, alegrando-se por estar entre os homens (cf. Pr 8,22).

 

Os salmos ao mesmo tempo que descrevem a beleza do criado nos falam do sopro divino que cria, sustenta, mantém a criação e renova a face da terra (cf. Sl 104, 30).

 

Partindo, portanto, das Escrituras, a espiritualidade tem uma forte conotação ecológica: na Criação os autores bíblicos são capazes de reconhecer os “vestígios” do Criador, os sinais da sua presença e da sua ação pelo mundo. Neste sentido são eloquentes as palavras de São João da Cruz: “Deus criou todas as coisas com grande facilidade e rapidez, deixando nelas um rastro de quem ele é. Não somente lhes tirou o ser do nada, mas dotou-as de inúmeras graças e virtudes, aformoseando-as com admirável ordem e indefectível dependência entre si. Tudo isto fez por meio da sua Sabedoria, com a qual as criou, e esta é o Verbo, seu Unigênito Filho.” (Cântico 5,1)

 

Uma primeira característica da espiritualidade com conotação ecológica é justamente a admiração, o maravilhamento e estupor que brotam da contemplação da ação criadora de Deus, pois no dizer de São João da Cruz: “as criaturas são, na verdade, como um rastro da passagem de Deus, em que se vislumbram sua magnificência, poder, sabedoria e outras virtudes divinas” (Cântico 5,3); e ainda: “nas criaturas, vê a alma a grandeza e excelência do Criador, segundo as palavras do Apóstolo: ‘As coisas invisíveis de Deus tornam-se conhecidas à alma pelas coisas visíveis e criadas’ (Rm 1,20)” (Cântico 4,1)

 

O Texto-base da CF-2011 nos apresenta São Francisco de Assis como “modelo para os que buscam uma relação mais qualitativa em relação às criaturas.” (n. 189) NoCântico das Criaturas que o Texto-base reproduz (cf. n.197) Francisco nos ajuda a compreender que tudo na criação e no próprio homem aponta para Deus, tudo fala dele e o revela, embora nada possa encerrá-lo ou contê-lo. É só a este Deus que convém o louvor, fruto de um reconhecimento maravilhado e cheio de entusiasmo, pois todas as criaturas revelam algo de sua glória fulgurante.

 

A todas as criaturas, Francisco chama de irmão, irmã e mãe. Para ele, entre todos os seres há como um parentesco. Todos os seres são formados da mesma matéria misteriosa e provêm do mesmo impulso criador.

 

O Cântico conclui-se passando dos objetos para o homem. Não o homem na sua beleza e sua força, mas o homem ferido pela ofensa, atingido pela doença e pela angústia, entregue às garras da morte, da qual ninguém pode escapar. Estas últimas estrofes revelam bem que é do coração de um homem ferido que brota o cântico de louvor. Conclui-se que o louvor de Deus pode brotar tanto da contemplação da ordem admirável do criado quanto do mais profundo do sofrimento humano, quando se compreende e se aceita seu sentido oculto. É a todas as situações que se aplica o convite da última estrofe: Louvai e bendizei meu Senhor, dai-lhe graças e servi-o com grande humildade.

 

Da contemplação da Criação e do maravilhamento diante dos “vestígios” do Criador, o Espírito nos conduz à ética do cuidado e da proteção. O Texto-base fala da ética do cuidado (nn. 94-95). Falando do cuidado, o Texto-base fala, citando Frei Antonio Moser, que ele é “essência do ser humano”.

 

É próprio do cuidado, continua o Texto-base “não criar dependência, mas respeitar a identidade dos demais, como a peculiar maneira de ser e de existir de cada um dos demais seres. O cuidado deve também inspirar a preocupação e atitudes que cooperem com o crescimento do outro. O que será possível só em quem se encontra imbuído do amor, de quem está pronto para a doação.” (nn. 184-186)

 

Podemos, então, concluir que uma espiritualidade com sentido ecológico é possível a partir da nossa sensibilidade para com o Espírito, “Senhor que dá a vida”; quando somos capazes de ver na beleza das criaturas um reflexo da beleza do Criador, quando da contemplação geramos compromisso com a obra criadora.

 

 A nossa abertura a ação do Espírito deve levar-nos ao cuidado com o planeta. Irmãos e irmãs de todas as criaturas lembremos de que da existência de uns dependem os outros!

 

“Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã a mãe Terra, que nos suste e nos governa, e produz frutos diversos, e coloridas flores e ervas.” (S. Francisco de Assis)

 

Dom Milton Kenan Júnior