A família – 30 anos depois

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31/05/2011 - 00:00

No domingo, 29 de maio, aconteceu em Aparecida a 3ª. Romaria Nacional da Família. Missas, palestras e reflexões diversas marcaram a manifestação, que reuniu dezenas de milhares de famílias vindas de várias partes do Brasil; ela foi promovida pela CNBB para comemorar os 30 anos da Exortação Apostólica Pós-Sinodal Familiaris Consortio, sobre a missão da família cristã no mundo de hoje, do papa João Paulo 2º.

Esse documento, fruto do Sínodo sobre a família, de outubro de 1980, continua sendo o texto mais importante do Magistério recente da Igreja sobre a família e conserva toda a sua atualidade e precisa, portanto, ser tomado na devida consideração.

Nele, são tratadas as “luzes e sombras” que pairam sobre a instituição familiar, olhada com discernimento evangélico; não mudou muito de lá para nossos dias. Algumas sombras a mais são constatadas hoje, como a progressiva fragilização da instituição familiar nos costumes e também no amparo legal, as crescentes uniões livres e a diminuição acentuada dos matrimônios, o desrespeito pela vida humana, com as brechas abertas para o aborto e o uso de embriões humanos na pesquisa científica. Mas é preciso reconhecer também que houve progressos, como o surgimento de associações, pastorais e movimentos voltados para a família, que começa a aparecer também como um sujeito político, embora ainda de maneira insuficiente. De fato, a unidade básica da vida social deve receber uma atenção maior dos poderes públicos e um amparo institucional claro.

A Familiaris Consortio trata do desígnio de Deus sobre o Matrimônio e a família e é esse o ponto importante do discernimento cristão sobre a instituição familiar. Não concordamos com a afirmação de que o casamento e a família são meros produtos da cultura e dos sistemas sociais. É verdade que tomaram expressões culturais próprias ao longo do tempo e de acordo com os diversos contextos culturais e sociais; no entanto, na sua base está um querer de Deus Criador, que fez o homem e a mulher à sua imagem e semelhança e lhes deu a missão de manifestarem o amor salvador pela humanidade. A família existe por um desígnio divino e não por simples capricho humano.

A atual propagação das uniões livres e promíscuas, sem algum compromisso formal, não pode ser vista como um progresso para o casamento, a família e a civilização, mas um retrocesso. Da mesma forma, a confusão acerca da identidade sexual e de gênero, bem como a relativização do significado antropológico da diferenciação sexual biológica, o exercício precoce da atividade sexual desvinculada de sua dimensão afetiva e interpessoal, a banalização do sexo, a exploração da prostituição, até infantil, as uniões homossexuais equiparadas ao casamento e à família – tudo isso agride a família e a fragiliza ainda mais; certamente, o desígnio de Deus a respeito da sexualidade, do casamento e da família, aponta para um quadro bem diverso daquele que hoje podemos constatar a respeito dessas realidades.

Depois de 30 anos, as indicações da Familiaris Consortio sobre a natureza e os deveres da família cristã não mudaram; antes, ficaram ainda mais claros e sua afirmação se torna mais urgente que nunca. Em tempos de privatização das relações humanas, centradas no egocentrismo hedonista, a família cristã é chamada a formar uma comunidade de pessoas, com papéis diferenciados, onde cada um contribui para o bem dos outros e também é beneficiado pela ajuda daqueles que dela tomam parte: mulher/mãe, marido/pai, filhos, irmãos, crianças, jovens, idosos, fortes, doentes...

A família é uma comunidade natural, construída sobre os laços naturais do sangue e do afeto, nutrida de amor gratuito, centrada na pessoa, por ela mesma, e não pela vantagem que possa trazer. Quem pode substituir o papel da família no serviço generoso à vida, à formação da pessoa, no amparo ao ser humano em todas as circunstâncias? Penso nisso quando vejo mulheres/mães dedicando dias e noites seguidos ao marido ou ao filho doentes, ou quando os pais visitam o filho na cadeia, não se importando com o que os outros pensam e dizem... Quando cuidam de filhos com deficiência uma vida toda, de crianças que nem são suas, ou quando sofrem calados e pacientes as crises do convívio familiar; quando renunciam a prazeres e confortos pessoais em favor do futuro dos filhos... Quem o faria por pagamento e por qual preço?! Bênção de Deus é a família, com todos os problemas que possa ter!

O documento ainda fala da contribuição da família para a edificação da sociedade; nisso ela tem, sem dúvida, um papel fundamental, sempre menos pouco reconhecido, infelizmente. Fala também da participação da família na vida e na missão da Igreja; a “nova evangelização” não se fará sem a participação da comunidade familiar. Também oferece preciosas indicações para a organização da pastoral familiar em nossos dias. Portanto, vale a pena retomar as reflexões da Exortação Familiaris Consortio.

 

Publicado em O SÃO PAULO, ed. de 31.05.2011