Abortar os anencéfalos?

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11/04/2012 - 00:00

Neste dia 11 de abril, o STF julga sobre a “legalidade” do abortamento de fetos ou bebês com anencefalia. Aos juízes, a sentença sobre a legalidade. E a moralidade dessa decisão?

A implicações éticas e morais são relevantes, uma vez que estão em jogo vidas humanas. Por isso, a decisão não deveria ser tomada no calor das emoções, nem sob a pressão de interesses ideológicos, mas na serenidade e objetividade que ela requer.

Primeira pergunta a ser feita: que ser é esse, o anencéfalo? Há quem lhe negue a qualificação de “ser humano”, vendo nele um incômodo descartável; e quem o compare a uma pessoa acometida de morte cerebral. No entanto, é inegável que o anencéfalo, malgrado a sua condição, é um ser humano vivo e não pode ser equiparado a uma pessoa com morte cerebral, pelo simples fato que o bebê com anencefalia se desenvolve no ventre da mãe, cresce, pode chegar ao nascimento e, até mesmo, viver por dias, semanas e meses, fora do útero da mãe. Seria um “vivo morto”?!

O cerne de toda a questão está nisso: os anencéfalos são seres humanos vivos. Quem poderia negá-lo, em sã consciência? Por isso, eles merecem todo o respeito devido a qualquer ser outro humano; ainda mais, tratando-se de seres extremamente fragilizados. A sociedade, por meio de suas Instituições, deve tutelar o respeito pleno à sua humana dignidade e à sua vida frágil e breve.

A dignidade de um ser humano não decorre da duração de sua vida, nem de sua perfeição estética, nem do grau de satisfação que dá aos outros. O ser humano merece respeito, por ele mesmo, sempre; sua dignidade e seu direito à vida são intocáveis. Repugna ao bom senso ouvir que haveria seres humanos “inviáveis”; viabilidade e controle de qualidade são conceitos aplicáveis às coisas, não às pessoas.

É compreensível que a mulher, gestante de um filho com anencefalia, sofra por ver frustrado seu justo desejo de ter um filho belo e perfeito. Ela merece respeito e solidariedade. Mas seria isso um argumento suficiente para suprimir, antes mesmo de ver a luz, a vida de um bebê com anomalias? Se o sofrimento da mãe, ainda que grande, fosse considerado motivo suficiente para provocar um aborto, estaria sendo aprovado o princípio segundo o qual pode ser tirada a vida de um ser humano que causa sofrimento grave a um outro ser humano. Não só no caso do aborto!

O sofrimento da mãe pode e deve ser mitigado pela medicina, a psicologia, a religião e a solidariedade humana. Além disso, é um sofrimento circunscrito no tempo; mas a vida do bebê, uma vez suprimida, não pode ser recuperada; e também a dor moral decorrente de um aborto decidido pode durar uma vida inteira. Além do mais, o alívio de um sofrimento não pode ser equiparado ao dano de uma vida humana suprimida.

É preconceituoso e fora de propósito afirmar que a dignidade da mãe é aviltada pela geração de um filho com anomalia; esse argumento pode suscitar, ou aprofundar um preconceito cultural contra mulheres que têm um filho com alguma deficiência.

Permanece válido que nenhum ser humano deve se fazer senhor da vida de outro ser humano; nem compete ao homem eliminar seu semelhante, dando-lhe a morte; nem mesmo àqueles seres humanos que não satisfazem aos padrões estéticos, culturais, ou de “qualidade de vida” estabelecidos pela sociedade ou pelas ideologias. A vida humana deve ser acolhida sempre, sem pré-condições.

Não é belo, não é digno, não é ético fazer recurso à violência, usar o poder dos fortes e saudáveis para suprimir fracos e imperfeitos, negando-lhes aquele pouco de vida que a natureza lhes concedeu. Digno da condição humana, nesses casos, é desdobrar-se em cuidados e dar largas à solidariedade e à compaixão, para acolhê-los e tratá-los com cuidado, até que seu fim natural aconteça.

Publicado em O Estado de São Paulo, ed. de 11/04/2012