Ação Diplomática da Santa Sé

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23/05/2011 - 00:00

No dia 11 de fevereiro de 1929 nascia o Estado do Vaticano. Situado no coração da cidade de Roma, com seus 44 hectares de superfície, ele é o menor de todos os Estados soberanos do mundo; como entidade jurídica internacionalmente reconhecida, o Vaticano representa a sede da Igreja Católica (“Santa Sé”) e tem no Papa seu representante direto. Sua gestão ordinária, no entanto, é exercida geralmente pelo Secretário de Estado da Santa Sé, atualmente, o cardeal Tarcísio Bertone.

Com o fim do antigo Estado Pontifício, em 1870, e com o surgimento do atual Estado Italiano, o Papa Pio IX refugiou-se, na época, à sombra da Basílica de S.Pedro, sem ter mais um espaço próprio para exercer, com autonomia e plena liberdade, sua missão em relação à Igreja do mundo inteiro. Assim também outros três de seus sucessores, Leão XIII, Pio X e Bento XV, consideraram-se “prisioneiros do Vaticano”. No dia 11 de fevereiro de 1929, sendo papa Pio XI e, rei da Itália, Vítor Emanuel III, chegou-se à solução concordada do Tratado de Latrão, que deu origem ao Estado do Vaticano, na sua configuração atual, e estabeleceu os parâmetros da sua convivência com o Estado Italiano.

Trata de um Estado sui generis, cuja pretensão ao reconhecimento na comunidade política internacional não se respalda num eventual poder econômico, nem numa força militar, que não possui, nem nas dimensões de um território geográfico, que é minúsculo. Sua importância decorre da autoridade moral que lhe é própria, enquanto representa uma instituição milenar dedicada à defesa da dignidade humana, da justiça e da paz na convivência entre os povos, em coerência com suas convicções religiosas e morais. Essa autoridade é bem reconhecida e prestigiada, tendo em conta as Representações Diplomáticas (Nunciaturas e Delegações Apostólicas) presentes em mais de 190 países e os representantes ou observadores, que mantém em cerca de 20 Organismos Governamentais Internacionais, que vão desde a ONU até à Liga dos Estados Árabes.

A ação diplomática da Santa Sé no mundo se expressa em grande parte na busca de entendimentos e acordos com os diversos Estados para assegurar o exercício efetivo da liberdade religiosa aos cidadãos e o reconhecimento jurídico da Instituição Eclesiástica nos países. E, mesmo se o Vaticano o faz enquanto responsável direto pela Igreja Católica, o efeito dessa ação diplomática também acaba beneficiando os cidadãos de outros credos.

Ao longo das recentes décadas, foram celebrados numerosos Acordos bilaterais entre a Santa Sé e outros Estados (entre Igreja e Estado), e não apenas com países de maioria católica. No dia 13 de novembro de 2008, durante a visita do Presidente Lula ao Papa Bento XVI, também foi firmado um Acordo entre a Santa Sé e o Estado Brasileiro. Desde a proclamação da República e o fim do regime do Padroado não havia mais um instrumento jurídico público, que deixasse claras as relações entre a Igreja Católica e o Estado, em nosso País. Estranhamente, a Instituição que, excetuado o próprio Estado, representa o maior número de pessoas no Brasil, não tinha um reconhecimento jurídico e até encontrava dificuldades para afirmar a sua existência perante as Instituições do Estado e da sociedade.

Na ocasião da assinatura do Acordo, foi manifestada na opinião pública a preocupação de que este Tratado viesse a ferir o princípio da laicidade e da não-confessionalidade do Estado Brasileiro. No entanto, os termos do Acordo, lidos com isenção, deixam claro imediatamente que esses receios são infundados. Pelo contrário, quando a Igreja, como instituição religiosa existente na sociedade, entra em diálogo com o Estado para o reconhecimento, da recíproca identidade e da diversidade de competências, de fato, fica afirmado e consagrado o princípio da laicidade do Estado. Não se faz acordo, sem antes aceitar as competências legítimas da outra parte.

A Igreja católica reconhece e preza essa “laicidade positiva”, assim qualificada presidente Nicolas Sarkozy, da França; mas teria dificuldades com uma laicidade que excluísse da esfera pública a religião, o pensamento religioso e as manifestações de religiosidade; a laicidade, interpretada como postura anti-religiosa, negaria a seu próprio princípio, tornando-se ideologia oficial imposta à consciência e à liberdade dos cidadãos, ou discriminando-os em função de sua tendência ou prática religiosa. Isso seria lesivo aos direitos humanos e contrário à liberdade religiosa.

Pelo Acordo, a Igreja Católica deixa claros e públicos os modos de sua existência e de sua atuação na sociedade e isso significa respeito ao pluralismo e à convivência democrática. Pelo Acordo ficam claros para todos quais são os termos da colaboração e dos compromissos recíprocos assumidos.

A elaboração do Acordo e sua oficialização contaram com o empenho diplomático competente, incansável e decisivo do Representante Pontifício no Brasil, o Sr, Núncio Apostólico Dom Lorenzo Baldisseri. Sua atuação diplomática tornou possível superar numerosas dificuldades surgidas no caminho percorrido e chegar em tempo relativamente breve a um feliz êxito, com a ratificação do Acordo também pelas duas Casas do Congresso Nacional.

Ao Excelentíssimo Sr. Núncio Apostólico desejo agradecer, mais uma vez, em nome de toda a Igreja Católica no Brasil, pelo seu engajamento nesta causa. Hoje temos a satisfação de ouvir dele próprio, apresentando o livro Diplomacia Pontifícia, de sua autoria, a explicação do significado desse Acordo Internacional entre o Brasil e a Santa Sé sobre o Estatuto Jurídico da Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil.

Agradeço a todos pela presença e o interesse por este evento cultural e diplomático.

 

Baseado em um artigo por mim publicado em O Estado de São Paulo, ed. de 14/02/2011