Carta aberta à Professora Marilena Chauí

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30/06/2015 - 17:30

À Prof.a Marilena Chauí

Departamento de Filosofia

da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

Prezada Professora Marilena Chauí:

Com minha saudação, também lhe agradeço por ter dirigido a mim uma “carta aberta” sobre a questão da pretendida Cátedra dedicada ao filósofo Michel Foucault na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Tendo recebido uma “carta aberta”, permito-me responder da mesma forma.

Fico feliz em ver dirigidos tão largos elogios aos méritos da PUC-SP por uma ilustre docente de filosofia da prestigiosa Universidade de São Paulo. A PUC-SP, de fato, foi abrigo para renomados pensadores e intelectuais em tempos de censura ao pensamento livre na história recente do Brasil. Não encontrando espaço para suas atividades acadêmicas e intelectuais em Universidades do Estado, eles tiveram guarida e liberdade para fazê-lo na PUC-SP, que será lembrada por ter promovido o pensamento sem censura e as liberdades democráticas em São Paulo e no Brasil. Felizmente, a Democracia foi restabelecida e as Universidades do Estado, bem como as demais, podem novamente desempenhar suas atividades de maneira desimpedida.

Mas desejo afirmar à ilustre Professora que a PUC-SP, também hoje, não deixou de ser espaço de liberdade intelectual. Não pode ser mostrado sequer um fato de censura ou intolerância contra atividades de pesquisa e ensino. Também no que se refere a Michel Foucault, professores e estudantes continuam lendo, estudando e ensinando Michel Foucault, quanto quiserem, sem que lhes tenha sido tolhida a liberdade para fazê-lo.

Para desfazer qualquer equívoco, esclareço que a decisão - quase unânime - dos membros do Conselho Superior da Fundação São Paulo, Mantenedora da PUC-SP, não consistiu na “proibição” de uma Cátedra dedicada a Michel Foucault, mas no indeferimento de um pedido de criação da Cátedra, nos termos em que foi apresentado, “independentemente de se manterem os trabalhos do Grupo de Pesquisa deste, ou de qualquer filósofo na Universidade” (Ata da reunião do Conselho). A alguns pode parecer que indeferir e proibir sejam a mesma coisa, mas são duas ações diversas.

Além do mais, diversamente do que tem sido divulgado, antes daquela decisão ainda não havia uma Cátedra Foucault na PUC-SP. O que havia, e continua havendo, é um Grupo de Pesquisa dedicado ao filósofo francês. E esse Grupo pode continuar em plena atividade, sem nenhum impedimento. Digo mais: diversamente do que tem sido alegado, até em publicações na imprensa, não havia, e não há até agora, um compromisso institucional da PUC-SP com uma Instituição ou Entidade nacional ou estrangeira com o objetivo de criar uma Cátedra Michel Foucault na PUC-SP.

Portanto, Foucault continua sendo estudado na PUC-SP, da mesma forma como tem sido até o presente. Oxalá suas ideias também fossem avaliadas com discernimento crítico, como é próprio de toda boa prática filosófica, para verificar a consistência de seus argumentos.

A informação correta sobre os fatos é absolutamente indispensável para não nos debatermos num mundo de fantasias ou construções intelectuais arbitrárias, que também podem ser injustas. Informações passadas à opinião pública sobre a decisão do Conselho Superior da Mantenedora da PUC-SP a respeito de estudos sobre Michel Foucault, ou de uma Cátedra a ser dedicada ao filósofo na PUC-SP, diversas das acima expostas, carecem de verdade, ou procedem de interpretações forçadas.

Provavelmente, o próprio Foucault ficaria perplexo diante da celeuma criada em torno da pretendida Cátedra em sua honra, na PUC-SP. Se é verdade que ele foi um baluarte na luta contra “verdades cristalizadas”, por certo não se importaria se alguém discordasse também dele. Será que ele negaria aos responsáveis pela decisão da Mantenedora da PUC-SP o direito de terem um pensamento próprio e de serem coerentes, em suas decisões, com as convicções que esposam? Provavelmente não. Mesmo não concordando com eles.

Reconheço e sei bem que é próprio da Universidade colocar tudo em discussão, no afã de encontrar e de expressar a verdade. Também eu estudei e ensinei filosofia. Mas quando se trata de tomar decisões, alguém precisa tomá-las, mesmo quando elas não agradam a todos. Assim acontece na PUC-SP e também na USP.

É preciso considerar também que nem todas as Universidades são iguais; talvez isso pode acontecer em países totalitários... Seria um empobrecimento cultural muito grande se assim fosse. Com identidades próprias e linhas diferentes, as Universidades podem, assim, assegurar melhor o diálogo entre os diferentes e a preservação do horizonte universal da cultura, tão necessário à alma, quando o clima do politicamente correto tende a estreitar e sufocar também o ambiente da intelectualidade. Em tempos de liberdade, é salutar que nem todas as Universidades leiam pela mesma cartilha da liquefação e vaporização do pensamento, das verdades e das referências no convívio humano. A PUC-SP, como todas as Universidades, tem o direito de possuir a própria identidade.

Com meus respeitos:

Cardeal Odilo Pedro Scherer

Mestre em Filosofia e Doutor em Teologia

Arcebispo Metropolitano de São Paulo

Grão-Chanceler da PUC-SP