Carta do Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer aos Sacerdotes da Arquidiocese de São Paulo

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25/09/2009 - 00:00

Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer

  Arcebispo de São Paulo

 

Para todos os padres

que vivem e trabalham na

Arquidiocese de São Paulo

 

Estimados Padres,

Escrevo-lhes a carta de setembro, no Ano Sacerdotal, perto do “Dia da Bíblia” e da recordação litúrgica de São Jerônimo, grande sacerdote que dedicou sua vida à Palavra de Deus e fez a primeira tradução da Bíblia para a língua popular (Vulgata latina), para o povo ter acesso mais fácil à Escritura. É uma boa ocasião para deter-me com vocês sobre o nosso serviço sacerdotal à Palavra de Deus. De fato, como S.Paulo, também nós podemos dizer: “Fomos constituídos ministros do Evangelho pelo dom da graça que Deus nos concedeu, segundo a força de seu poder” (cf Ef 3,7).

De fato, o múnus profético, ou seja, nosso serviço a Deus que falou, fala e continua a falar aos homens, é parte essencial do ministério ordenado, que recebemos como graça de Deus e como missão para a edificação do povo de Deus. A importância desse tema foi recordada amplamente na 12ª. Assembléia do Sínodo dos Bispos, sobre “A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja”, em outubro de 2008. Não entendo falar apenas da importância teológica, mas do nosso serviço efetivo à Palavra de Deus, que nos foi confiado no ato da nossa ordenação sacerdotal; no rito sagrado, a questão não mais aparece de maneira hipotética, ou como mera reflexão teológica, mas como entrega de um encargo pessoal a cada ordinando.

Ainda antes da ordenação, quando fomos instituídos como Leitores, já nos foi entregue a missão especial de “proclamar a Palavra de Deus” no meio do povo; fomos “delegados para o serviço da fé, que se fundamenta na Palavra de Deus”, de modo que, com a nossa ajuda, todos “possam chegar ao pleno conhecimento de Deus e alcançar a vida eterna”. É grande a expectativa da Igreja em relação aos servidores da Palavra de Deus!

Estes não deverão anunciar a Palavra apenas aos outros: eles próprios também sejam dóceis ao Espírito Santo, acolhendo-a de coração aberto, meditando-a assiduamente, nutrindo-se dela e amando-a cada vez mais. Na oração que segue à Exortação ritual, o ordenante pede a Deus que o Leitor “possa impregnar-se dela e anunciá-la fielmente aos irmãos”. Finalmente, ao lhe ser entregue nas mãos o livro da Sagrada Escritura, o novo Leitor recebe esta bela recomendação da Igreja: “transmite com fidelidade a Palavra de Deus, para que ela frutifique cada vez mais no coração das pessoas”.

Também a relação dos Diáconos com o ministério da Palavra aparece claramente no rito da ordenação. Eles deverão “ajudar o Bispo e seu presbitério no serviço da Palavra, do altar e da caridade”. Não deverão deixar-se abalar na sua confiança no Evangelho, “do qual sois, não somente ouvintes, mas também servidores”. E a entrega do livro dos Evangelhos é acompanhada por estas palavras envolventes: “Recebe o Evangelho de Cristo, do qual foste constituído mensageiro; transforma em fé viva o que leres, ensina o que creres e procura realizar o que ensinares”.

Na ordenação presbiteral, a vinculação do ministério dos Presbíteros com a Palavra de Deus aparece ainda mais destacada. O sacerdote deverá “servir ao Cristo Mestre, Sacerdote e Pastor” que, por seu ministério, “edifica e faz crescer o seu Corpo, que é a Igreja”. Por isso, no Cristo Mestre, ele deverá cumprir a sua função de ensinar o povo de Deus: “Transmite a todos a Palavra de Deus que recebeste com alegria; meditando na lei do Senhor, procura crer no que leres, ensinar o que creres, praticar o que ensinares”. A pregação do padre deverá ser “alimento para o povo de Deus e a sua vida, um estímulo para os fiéis, de maneira que a casa de Deus, isto é, a Igreja, seja edificada pela palavra e pelo exemplo”.

Na manifestação dos seus propósitos diante do Bispo e do povo de Deus, o ordinando se compromete a “desempenhar com dignidade e sabedoria o ministério da Palavra, proclamando o Evangelho e ensinando a fé católica”. Na prece de Ordenação, o Bispo pede a Deus que, pela pregação do novo Padre, “as palavras do Evangelho, caindo nos corações humanos, possam dar muitos frutos e chegar aos confins da terra”.

Bispo também é sacerdote e Ministro da Palavra de Deus. No rito da ordenação episcopal, a vinculação do ministério do Bispo com a Palavra de Deus aparece de maneira ainda mais expressiva: “pelo ministério do Bispo, Cristo continua a proclamar o Evangelho”. Para dar a entender bem que o Bispo recebe o encargo de “testemunhar a verdade do Evangelho”, durante a Prece de Ordenação, o livro dos Evangelhos é colocado, aberto, sobre a cabeça do novo Bispo; ele fica todo inteiro “debaixo” da Palavra de Deus, quer dizer, a serviço dela; poderíamos dizer que ele passa a “morar” na Palavra de Deus e esta se torna sua casa e seu ambiente de vida. Após a unção da cabeça com o óleo santo do Crisma, o livro dos Evangelhos é entregue ao novo Bispo: “Recebe o Evangelho e anuncia a Palavra de Deus com toda a constância e desejo de ensinar”.

Estimados padres, de muitas maneiras exercemos este ministério tão importante: na homilia litúrgica, no ensino da doutrina da fé, na formação cristã dos fiéis, na catequese, na promoção da leitura e do estudo da Sagrada Escritura, no estímulo para que os fiéis aprendam um método adequado de leitura bíblica e se afeiçoem sempre mais à Santa Palavra, de maneira que ela se torne, de fato, luz para sua vida, caminho para seus passos, horizonte para viver e realizar todas as ações e decisões. A Igreja pede que toda a pastoral seja bíblica, quer dizer, seja ricamente motivada e orientada pela Palavra de Deus.

A nós, Ministros ordenados da Palavra de Deus e consagrados a ela, deve questionar a escassa instrução religiosa do povo, o desconhecimento das verdades básicas da fé, como vêm expostas no Catecismo, a precária familiaridade com a Escritura, a freqüente incapacidade de apresentar “as razões da própria esperança” (cf 1Pd 3,15), quando questionados ou colocados em situações controvertidas. Temos muito que fazer para ajudar nosso povo católico a ter consciência mais clara da própria identidade eclesial e católica. Isso não é tudo, certamente, mas é indispensável, se não queremos que o povo não seja levado “por qualquer vento de Doutrina” (cf Ef,4,14). A catequese, como está nas paróquias? Somos nós os primeiros responsáveis pela catequese; temos conhecimento  e acompanhamos pessoalmente aquilo que se passa na catequese? Temos outras iniciativas de formação da fé do povo, além da homilia? A homilia dominical é importantíssima para a formação dos fiéis, mas não pode ser a única oportunidade oferecida a eles!

Quero pedir, especialmente, a promoção da “leitura orante da Escritura” nas famílias, comunidades e paróquias; foi uma recomendação especial do Sínodo sobre a Palavra de Deus.  Foi S.Jerônimo que disse: “ignorar as Escrituras, é ignorar a Cristo”. Recomendo ainda a promoção de momentos especiais de pregação ao povo; nossas igrejas poderiam ter mais atividades formativas à noite, pois durante o dia o povo trabalha... Isso é parte da “conversão pastoral e missionária”, uma conversão de métodos, adequando-os ao ritmo da vida urbana, como pede nosso 10° Plano de Pastoral.

Estimados padres, saibam que lhes quero bem e acompanho suas lutas pastorais. Não estamos sós! Não tenhamos dúvidas de que Jesus Cristo nos acompanha –“eu estarei convosco todos os dias...” – quando nos dedicamos generosamente a ensinar as pessoas a fazer o que ele nos ordenou (cf Mt 28,20). E seu Espírito nos assiste na missão.

Deus os abençoe e recompense por todo o bem que fazem ao povo! Que os santos sacerdotes sejam nossos exemplos e nos encorajem no bom desempenho do serviço sacerdotal na Igreja. S.Jerônimo e o Santo Cura de Ars intercedam por nós!

 

Card. D. Odilo P. Scherer
Arcebispo de São Paulo