Paz e liberdade religiosa

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11/01/2011 - 00:00

Voltamos mais uma vez à mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1º de janeiro, enviada pelo papa Bento 16 aos chefes de Estado, autoridades diplomáticas e religiosas de todo o mundo, além de ser destinada à inteira Igreja. Os leitores podem encontrar e ler a mensagem do papa Bento 16 na internet (www.arquidiocesedesaopaulo.org.br). O tema – “liberdade religiosa, como caminho para a paz” – preocupa o papa e deve chamar a nossa atenção também.

 

Há fatores que colocam de novo a religião em grande evidência no mundo inteiro, apesar de certo indiferentismo religioso e relativização da religião em muitos países. Evidência, que não deixa de ter seu lado preocupante.
Com as migrações de países mais pobres para outros, mais ricos, o povo levou consigo também suas religiões, causando um impacto inesperado na convivência social dos países de imigração; fato inequívoco é a “islamização” em vários países da Europa. Preocupantes, porém, são os fundamentalismos e a intolerância religiosa, junto com o uso ideológico e político da religião para fins que não lhe são próprios, como a violência em nome da fé e de Deus, ou a escandalosa exploração econômica e empresarial da religião, da religiosidade e das necessidades e aflições do povo. Nada disso honra o nome de Deus, nem cumpre a finalidade da religião, mas recai sob a advertência do 4º mandamento da Lei de Deus: “não tomarás o Santo Nome em vão”.

Mas também são inaceitáveis o cerceamento da religião ou a sua instrumentalização pelo Estado, o que depõe contra a laicidade verdadeira; a Igreja aceita e defende que o Estado seja “laico”, não como instância repressora da religião ou das convicções religiosas da sociedade, mas como garante da liberdade religiosa, não impondo, nem impedindo a prática religiosa aos cidadãos. Infelizmente, existem também formas sutis de preconceito e discriminação religiosa, quando pessoas de religião são impedidas de exercer plenamente seus direitos cidadãos, constrangidas ou desacreditadas publicamente no exercício de sua profissão ou responsabilidade social, por causa da fé que professam. Da mesma forma, é intolerância e desprezo pela contribuição positiva da religião para a cultura e o convívio social a pretensão de excluir os sinais e símbolos religiosos dos espaços públicos. Lamentável seria se os crentes em Deus tivessem que deixar de lado sua fé, ou renegar a Deus, para serem reconhecidos como cidadãos de pleno direito.

Na sua mensagem, o papa ensina que a liberdade religiosa consiste na possibilidade de expressar, sem restrições ou impedimentos, a própria forma de crer, ou de não crer e, de acordo com as próprias convicções, de interagir socialmente. Evidentemente, respeitados os direitos alheios e a legítima ordem pública. Significa isso que as pessoas de religião devem ter o direito de se organizar em função da afirmação e difusão de suas convicções e de contribuir para o convívio social e o bem comum com suas práticas. A liberdade religiosa é um direito humano fundamental e uma conquista da civilização política e jurídica, fazendo parte da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948).

O diálogo sadio das organizações religiosas com as instituições civis é fundamental para desenvolver um clima de confiança e a colaboração positiva para o desenvolvimento integral e harmonioso da pessoa e da sociedade. A busca da verdade e a colaboração para o bem comum devem marcar esse diálogo. E as religiões têm a tarefa de ajudar a sociedade a manter a referência aos valores fundamentais e mais elevados do convívio social, como a dignidade da pessoa e seus direitos inalienáveis, os valores morais, a esperança e o amor, bem como a promoção da justiça, da solidariedade social e da paz.

Aprende-se desde cedo, ou não se aprende, o respeito pela religião dos outros e pela liberdade religiosa, através da educação na família, na escola e no convívio social. O exemplo dos adultos é fundamental na formação das novas gerações para a tolerância religiosa positiva, o convívio sereno e a colaboração solidária com pessoas de fé diferente. O respeito e o apreço pelo outro é condição para que se possa pretender respeito a si mesmo. Isso, por certo, não avaliza o indiferentismo, nem o sincretismo religioso; conhecer bem a própria fé e religião é condição para um diálogo verdadeiro e também a valorização do que é dos outros. Os meios de comunicação e os formadores de opinião têm nisso um papel educativo determinante, podendo desencadear intolerância, preconceitos e uma cultura de discriminação religiosa, ou ajudar a criar um clima de respeito e tolerância. A paz depende da valorização da liberdade religiosa.

 

Publicado em O SÃO PAULO, ed. de 11.01.2011