Senhor, dá-me de beber!

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29/03/2011 - 00:00

 As catequeses e os exercícios da Quaresma estão orientados para preparar os catecúmenos ao Batismo e a nós, que já fomos batizados, para a renovação das promessas batismais. O terceiro domingo da Quaresma apresenta-nos, neste ano, o Evangelho da Samaritana, uma belíssima catequese batismal (cf Jo. 4,5-42).

A água na Samaria é rara e, como era costume, a mulher ia todos os dias ao Poço de Jacó. É lá, sentado à beira do poço, que Jesus encontra a samaritana; o evangelista São João conduz o diálogo de maneira magistral, iniciando com a conversa sobre a água e o poço, passando pelas diferenças de fé entre judeus e samaritanos e pela vida pessoal da mulher, “mexendo” com sua consciência, para terminar com a proclamação dela e dos samaritanos, que acorreram ao poço: Jesus é o Salvador do mundo!

Santo Agostinho observa que a samaritana, de fato, é figura de cada um de nós, que passamos a vida procurando água nos poços por aí... Temos sede e necessitamos de beber. Mas que sede é essa? Já não é da água, que a torneira ou a garrafinha nos podem fornecer. Temos sede de amor, de acolhida, de sentido para a vida, de luz, de justiça, misericórdia, perdão, vida e felicidade plena. E nosso balde nunca se enche com as águas postas à nossa disposição. Buscamos mais; temos mesmo é sede de Deus! Santo Agostinho bem conheceu essa sede: “Tu nos fizeste para Ti, Senhor, e nosso coração não sossega enquanto não repousar novamente em Ti!”

Notemos que é o próprio Jesus quem primeiro pede para beber. O Filho de Deus veio ao nosso encontro e, como bom pastor, vai ao encontro das ovelhas dispersas. Tem sede, quer nos encontrar, tem muito para nos oferecer, quer se revelar a nós como verdadeira fonte de água viva: “Se alguém tiver sede, venha a mim e beba!”, dirá ele em Jerusalém (cf Jo. 7,7). Veio procurar “os verdadeiros adoradores, que adorem a Deus em espírito e verdade” (cf Jo 4,23); quer dizer, com a consciência reta e a vida orientada para Deus, que não nos quer alienados e desorientados, indo para falsas direções.

A Quaresma nos impõe uma reflexão: Será que levamos a sério a nossa “sede”? Quais são os horizontes e as metas que temos na vida? Para que vivemos? Para aonde vamos? Quais são os valores que orientam nossas decisões? De que lado estamos: de Deus ou longe dele? Com que tipo de “água” tentamos matar nossa sede ardente? Perigosa é a tentação da vida superficial, da rotina do dia a dia, sem nos confrontarmos com as questões de fundo da nossa existência. A cultura atual favorece isso; vamos consumindo uma série de coisas, tentando saciar nossa sede, até mesmo para abafá-la... Pior ainda, talvez consumimos águas poluídas, que matam pouco a pouco, em vez de nutrir a vida. Vícios, drogas, vaidades alienantes, busca desenfreada de poder, riqueza e de gozo da vida podem representar essas águas envenenadas, que enganam nossa sede, mas não a saciam.

O profeta Jeremias, falando por Deus, já fez esta queixa dramática ao povo, que abandonou a fé no Deus vivo e verdadeiro e se voltou para a idolatria. “Duplo crime cometeu o meu povo: abandonou a mim, fonte de água viva, e preferiu cavar para si cisternas rachadas, que não podem conter a água” (Jr 2,13).
A mulher samaritana acaba deixando seu cântaro à beira do poço; já não precisa dele, pois encontrou a própria fonte abundante de “água viva”! O trecho final desse Evangelho mostra aonde a catequese quer levar: à adesão de fé em Jesus Cristo, o “Salvador”, àquele que mata nossa sede mais atroz; e assim também leva ao encontro da alegria, da beleza e de um novo sentido para a vida.

Participando do Mistério Pascal de paixão, morte e ressurreição de Jesus, também nós somos convidados a renovar nossa adesão a Cristo Salvador, nossa alegria de crer e o compromisso com o anúncio do Evangelho ao mundo.

 

Publicado em O SÃO PAULO, ed. de 29.03.2011