Testemunhas do amor de Deus na metrópole

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27/08/2015 - 09:15

A reflexão sobre a presença e a atuação da Igreja nas metrópoles é o motivo principal da visita, ao Brasil, do cardeal Lluis Martínez Sistach, de Barcelona. Como arcebispo da bela e vibrante capital da Catalúnia, ele tem promovido diversos encontros teológico-pastorais sobre o tema; também no Rio de Janeiro, participou recentemente de um encontro de bispos de grandes cidades brasileiras.

Em São Paulo, de 28 a 30 de agosto, ele tratará do tema em diversos momentos: dia 28, com a comunidade acadêmica da Faculdade de Teologia da PUC-SP; dia 29, com os agentes de pastoral da Arquidiocese, de maneira geral; ainda no dia 29, celebrará na paróquia pessoal Nossa Senhora de Guadalupe, no Glicério (igreja Nossa Senhora da Paz), onde terá um contato com a realidade das migrações em São Paulo, especialmente, com a comunidade hispano-americana.

Uma das características marcantes das metrópoles é, justamente, a mobilidade de sua população e isso envolve também a vida e a missão da Igreja. Tradicionalmente, nas áreas rurais ou nas cidades pequenas, a população faz referência a uma capela ou igreja, em lugar bem conhecido; desses lugares, com os quais a comunidade local tem fortes laços, irradiam o atendimento pastoral e os serviços de evangelização.

Diversamente nas metrópoles: as pessoas movem-se muito em função do trabalho, do lazer, do comércio e dos diversos interesses que movem a vida. Com frequência, até preferem ficar em completo anonimato em relação ao lugar de sua residência e de sua vida privada, com os quais os laços podem ser inexistentes ou apenas superficiais. Os lugares de referência para a vida “fora de casa” podem estar bem distantes do endereço de residência.

Gostemos ou não, isso faz parte da lógica da cidade e precisa ser levado em consideração também no que se refere à vida religiosa e à ação pastoral. Se é verdade que o anúncio do Evangelho e a sua acolhida com fé devem levar à convivência fraterna com todos, não devem ser descuidados alguns fatores da vida urbana que podem contribuir para a maior eficácia da evangelização. Se é importante que os discípulos de Cristo tenham relações comunitárias com as pessoas fisicamente mais próximas, é preciso lembrar que o endereço da residência, muitas vezes, é apenas o lugar do refúgio na vida privada, que também é necessário na vida urbana.

A ação evangelizadora da Igreja precisa, então, encontrar lugares, modos e momentos que se insiram na lógica da cidade, como as relações de trabalho e ocupação profissional, de responsabilidades sociais e tantas outras. Refiro-me, por exemplo, à necessidade de desenvolver serviços de evangelização nos locais de grande fluxo de pessoas. As igrejas situadas perto das estações de metrô ou dos terminais do transporte urbano podem atender a milhares de “peregrinos urbanos”, que passam todos os dias diante de suas portas; de maneira semelhante, as crianças e jovens dos nossos bairros, geralmente, não adentrarão as portas das nossas igrejas e expedientes paroquiais durante semanas e até meses; mas poderão ser encontrados todos os dias, aos milhares, nas escolas, colégios e centros de estudos espalhadas pela cidade...

O pároco, geralmente, não terá muito contato com os doentes no território de sua paróquia; mas eles poderão ser encontrados em hospitais de outros bairros, até bem distantes da sua igreja matriz; e as pessoas enlutadas pelo falecimento de algum membro da família poderão ser encontradas, de preferência, nos locais de velório, nos cemitérios ou crematórios... Por vezes, na paróquia, há realidades que parecem ir além das competências do pároco e das organizações pastorais locais, como os grandes hospitais, as prisões e instituições semelhantes.

A metrópole nos desafia a pensar de forma criativa e dinâmica a presença e a ação evangelizadora e pastoral da Igreja, para estarmos plenamente inseridos na “lógica da cidade”. O Papa Francisco, na Exortação Evangelii gaudium, sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual, aponta para a necessidade de levar “a alegria do Evangelho” a todos, em todas as situações. Cabe aos discípulos de Cristo testemunhar, com alegria, o amor de Deus nos ambientes complexos da metrópole.

Publicado no jornal O SÃO PAULO, Edição 3066 - 27 de agosto a 2 de setembro de 2015