Tsunami de solidariedade

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22/03/2011 - 00:00

 A Campanha da Fraternidade deste ano está chamando à reflexão e à ação sobre a vida no nosso planeta azul e as responsabilidades humanas diante do fenômeno do aquecimento global. Não é a primeira vez na história de nossa Terra que acontecem mudanças climáticas, causadas por fenômenos naturais; já houve períodos de glaciação e outros, de desertificação.

Nosso planeta sofre vários tipos de influência, vindas de sua própria dinâmica, como vulcões e terremotos, bem como de causas externas e cósmicas, que podem influir para a sua deterioração para abrigar a vida.
Certamente, porém, nunca antes a ação do homem contribuiu tanto, como agora, para causar mudanças climáticas e para deteriorar as condições necessárias para que a Terra hospede a vida. A sociedade industrial fez o recurso aos combustíveis fósseis em grande quantidade, como o carvão mineral, o petróleo e seus derivados, que têm efeito poluidor para o ar, as águas e o solo. Além disso, a sociedade de consumo atira-se com voracidade sobre os produtos naturais, ameaçando extirpá-los da Terra de maneira irrecuperável. Nós exigimos da natureza mais do que ela é capaz de dar.

Isso requer uma tomada de consciência local e global de toda a comunidade humana. A Terra é o ninho da vida no universo, nossa casa comum, entregue aos nossos cuidados; é tempo de nos darmos conta de que somos todos responsáveis pela preservação da natureza, para continuarmos também a ser beneficiários de seus bens. Tratar mal a casa é prejudicar os irmãos. E também é falta de respeito e gratidão pelo Pai, que nos deu de presente essa bela morada. A questão ambiental precisa ser vista também a partir de nossa responsabilidade em relação aos pobres, que são os mais prejudicados pelo trato egoísta ou leviano da natureza; é ainda questão de justiça em relação às gerações futuras, para as quais Deus também destinou esta morada.

Justamente, durante este período da Campanha da Fraternidade sobre o cuidado da vida no planeta, chegaram-nos do Japão, as imagens do terremoto devastador e do consequente tsunami; logo em seguida, o medo da contaminação nuclear de usinas atômicas avariadas por esses desastres naturais. Não vamos concluir apressadamente que o homem também é responsável por terremotos e tsunamis... Trata-se de fenômenos da própria dinâmica da Terra, que é uma criatura, com leis próprias, capaz de desencadear energias inimagináveis; esses fenômenos nos fazem pensar quanto somos pequenos e frágeis! Por vezes, o homem, na sua soberba, crê ter o domínio sobre a natureza, só porque conhece suas leis e seu funcionamento; quanta ilusão!

Mas é verdade que o homem é capaz de muita coisa: conhecendo a natureza e as leis que a regem, compreendendo seu funcionamento, ele deve usar a inteligência para respeitar a natureza. No entanto, ele quer dominar e mostrar que é ele que se impõe à natureza. O resultado dessa soberba irresponsável é o desastre, e o próprio homem se torna a vítima. Esta reflexão deveria nos fazer pensar nos “desastres anunciados”, que vão desde o consumo de drogas, à alta velocidade no trânsito; desde a construção de casas e cidades em locais de alto risco, até o uso descontrolado da energia nuclear. A Campanha da Fraternidade pede de todos verdadeira humildade e prudência, além do trato da natureza com a preocupação solidária e com gratidão e reverência ao Criador.

Algumas imagens vindas da catástrofe japonesa deixaram fortes impressões e também lições de vida. Um bombeiro, todo feliz e sorridente, mostra um bebê de poucos meses resgatado vivo da destruição e do barro deixados pelo tsunami, três dias após o acontecido! A vida é também forte e capaz de sobreviver às incomensuráveis forças destruidoras da natureza, quando há solidariedade...

A outra imagem dizia respeito a um grupo de brasileiros residentes no Japão, que se mobilizou e fez uma campanha rápida, recolhendo toneladas de alimentos, água e roupas, levando tudo para uma aldeia arrasada, onde as pessoas já passavam fome e sede, além do frio gélido. A chegada do socorro inesperado encheu de alegria aqueles rostos japoneses, silenciosos e abatidos; e levou às lágrimas os brasileiros, enquanto distribuíam os produtos. A solidariedade abnegada leva a partilhar a dor do próximo: faz sorrir quem chora de dor; e leva a chorar quem só tem motivos para se alegrar. Chorar de alegria!

 

Publicado em O SÃO PAULO, ed. de 22.03.2011