Leitura orante da Bíblia

A A
01/10/2009 - 00:00

“Mestre, trabalhamos a noite inteira, e não pegamos nada. Mas, pela tua palavra, lançarei as redes” (Lc 5, 5).

A convocação para a missão se faz mais urgente em nossos dias. Estamos pescando no lago que é a cidade de São Paulo, e, talvez, com o mesmo espírito cansado e frustrado dos discípulos no tempo de Jesus após uma noite de trabalho sem resultados. O Evangelho nos convida a apoiar-nos novamente sobre a Palavra, e encontrar novas forças e luzes para a missão.

Sabemos que a Palavra de Deus é mais ampla que a Bíblia, mas a Bíblia nos ensina a reconhecer a Palavra de Deus também na realidade. Por isso, nossa ação missionária necessita desse contato constante e orante com a Bíblia, para ler a realidade à luz da Palavra. O concílio Vaticano II apresenta a ligação entre Bíblia, espiritualidade e vida como uma das mais importantes exigências da Igreja hoje: “É necessário que a religião cristã seja nutrida e dirigida pela sagrada Escritura” (Dei Verbum 21 a 26). “A ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo” (S. Jerônimo).

Existe na Igreja um método tradicional de discernimento, a lectio divina, um modo de rezar com a Bíblia cujo objetivo é conseguir ver-nos como Deus nos vê e querer ser como Ele nos quer. É um método de oração aberto a todos. Não é muito fácil, porém está ao alcance de nossas capacidades. Como qualquer exercício, requer prática paciente e, sobretudo, disponibilidade para escutar.

O monge Guigo II (1115-1193) apresenta o método como uma escada com quatro degraus que nos eleva da terra ao céu. Dizia: “A sua extremidade inferior está fixada na terra e a ponta superior atinge as nuvens e sonda os segredos do céu”.

Iniciamos com a Invocação ao Espírito Santo. Poder escutar Deus não depende de nós, nem do esforço que faremos, mas só e unicamente de Deus, da Sua decisão gratuita e soberana de entrar em contato conosco e de fazer com que possamos ouvir a Sua voz (cf Jo 14,26; 16,13; Lc 11,13). Uma bela invocação é a do Sl 119, 10-18.

E subamos os degraus:

1º degrau - LER. Antes de tudo, procuramos descobrir "o que o texto diz em si?" Isto exige silêncio. Dentro de nós, tudo deve silenciar, para que nada nos impeça de escutar o que o texto tem a dizer, e para que não aconteça que levemos o texto a dizer só aquilo que gostamos de escutar. Ler e reler o texto com calma, mesmo se já é bastante conhecido. A leitura deve ser repetida várias vezes até descobrir o que o texto diz. Escutar cada frase, ver bem o sentido, repetir as palavras significativas.

2º degrau - MEDITAR. Neste segundo passo, entramos em diálogo com o texto, para que o sentido se atualize e penetre a nossa vida. Como Maria, ruminamos o que escutamos (Lc 2,19.51), e assim descobriremos que "a Palavra de Deus está muito perto de ti: está na tua boca e no teu coração, para que a ponhas em prática" (Dt 30,14). Neste momento procuramos aplicar a Palavra à nossa vida. A pergunta é a seguinte: "O que o texto diz para mim, para nós? O que deve mudar em minha vida para que eu realize a mensagem?"

3º degrau - ORAR. Até agora, Deus falou para você; chegou a hora de você responder a Ele. Quem chega a descobrir o que Deus quer dele, entra normalmente em oração. Santo Agostinho dizia: “se o texto é oração, orai; se é gemido, gemei; se é reconhecimento, alegrai-vos; se é um texto de esperança, esperai; se exprime temor, temei. Porque as coisas que sentis no texto bíblico são o espelho de vós mesmos”. É a hora da prece. "O que o texto me faz dizer a Deus"? Rezamos para que se faça em nós a vontade de Deus. A palavra de Deus, feita oração, se torna motivo de louvor, de agradecimento, de pedido, de confiança, de arrependimento, de bênção.

4º degrau - CONTEMPLAR. O ponto de chegada da leitura orante é a Contemplação. Contemplar é mergulhar no mistério de Deus, ver a realidade com os olhos de Deus, saborear Deus com o coração. A contemplação não é uma técnica, mas um dom do Espírito que brota da lectio bem feita. É conhecer a Deus com a experiência do coração. É mergulhar em Deus. O apóstolo São João diria: “Esta é a vida eterna, conhecer a ti, o único verdadeiro Deus, e aquele que mandastes, Jesus Cristo” (Jo 17,3).Observar e avaliar a vida, os fatos, os pobres, a situação do povo, com um novo olhar. Quem procura com sinceridade no coração a vontade de Deus, consegue ver-se como Deus o vê, vê a realidade como Deus a vê, e realiza na própria vida o que Deus quer. Consegue reconhecer a presença de Deus na vida e viver em Deus.

Que o encontro diário com a Palavra nos reencante e anime a lançar novamente as redes da missão na grande cidade.

São Paulo, 01 de setembro de 2009.

Fonte: Centro de Pastoral da Região Episcopal Sé